A explosão de processos que abarrotou o Poder Judiciário brasileiro, da primeira à última instância, fez com que as tentativas de conciliação adquirissem maior importância, fossem estimuladas e até mesmo impostas pelo legislador. Elas foram ocupando espaços em todos os ramos do Direito.
Na verdade, nisto não há novidade alguma. A Constituição de 1824, no artigo 161, já dispunha que não se iniciaria o processo civil sem tentar-se a reconciliação entre as partes. No âmbito trabalhista, a CLT de 1943, determinava, no artigo 764, que se tentasse a conciliação.
No entanto, o avanço se deu a passos lentos. No âmbito penal, Magalhães Noronha, em 1964, ao comentar a ação penal, era enfático ao dizer que o Ministério Público “não pode declinar do exercício, transigir, aguardar oportunidade, etc.”[i]
Mas os fatos sempre se sobrepõem às normas, legais ou principiológicas, adaptando-se o Direito à realidade. Foi por isso que, em 1995, a Lei 9.099, que trata dos Juizados Especiais, rompeu com a secular obrigatoriedade da ação penal pública. Nos arts. 72 e 89 permitiu a transação e a suspensão do processo na área criminal, curvando-se ao pragmatismo norte-americano.
Na verdade, os Cartórios e Secretarias de Varas Criminais não suportavam mais os milhares de processos que se avolumavam, alguns tratando de infrações tão pitorescas como simulação de autoridade para celebrar casamento (art. 238 do Cód. Penal) ou vadiagem (art. 59 da Lei das Contravenções Penais).
E assim, pouco a pouco, foram surgindo diferentes possibilidades de conciliação, fosse qual fosse o nome dado a este ato, como transação ou reajustamento de conduta. E já vieram tarde. Só para que se tenha uma ideia, o “Federal Judicial Center”, dos Estados Unidos, em 1997 já preparava juízes federais para mediar os conflitos que lhes eram submetidos.[ii]
Na área ambiental, no âmbito do Ministério Público ou nos órgãos ambientais, acordos são celebrados diariamente, com base no art. 5º, § 6º da Lei 7.347/85, que trata da Ação Civil Pública.
O CNJ transformou a ideia em projeto. Ao comemorar um ano da sua criação, a ministra Ellen Gracie afirmou: “Ao implantar o Movimento pela Conciliação em agosto de 2006, o Conselho Nacional de Justiça teve por objetivo alterar a cultura da litigiosidade e promover a busca de soluções para os conflitos mediante a construção de acordos”.[iii]
O CPC de 2015 transformou a tentativa de conciliação em dever (art. 334) e Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) foram implantados em todo o país.
A possibilidade de mediação de conflitos foi adotada, também, na área da administração pública, através da Lei 13.140/2017, inclusive sendo implantada no âmbito interno de órgãos do Poder Judiciário, como é o caso da Justiça Federal do Rio Grande do Norte, onde a portaria 239/2017 da direção do foro ordenou a sua aplicação no âmbito de questões administrativas.
Para eliminar, de vez, qualquer discussão sobre o assunto, a colaboração premiada entrou no universo jurídico brasileiro através da Lei 12.850/2013, fixando os acordos como algo definitivo, mesmo em crimes de alta gravidade.
Pois bem, se isto é inquestionável e definitivo, não há muito o que discutir a respeito. Há séculos o brocardo jurídico dizia: é melhor um mau acordo do que uma boa demanda. Superada esta fase, o que há de se estudar agora é como conduzir-se nas audiências ou reuniões de conciliação, sejam feitas no Poder Judiciário, em Tribunais Arbitrais ou em escritórios de advocacia.
Qual o papel de cada um? Como se comportar, sentar, olhar, falar, concordar ou negar? Todos estes verbos exigem postura, posição adequada, pois disto depende o sucesso da tentativa.
Contudo, há um detalhe, ninguém foi preparado para tanto nos cursos de graduação em Direito. E, em dado momento, lá está o jovem advogado diante de um representante da Caixa Econômica Federal, que faz ao seu cliente uma proposta para pôr fim a uma antiga ação em que se discute a quitação de prestações atrasadas na compra de imóvel. Que fazer?
Não há uma receita completa, perfeita. A negociação passa por perspicácia, inteligência emocional, experiência de vida e uma boa dose de psicologia no trato. E neste caudal de sentimentos, impõe-se ter em conta a busca de uma solução que leve à satisfação pessoal dos envolvidos. O desembargador Roberto Portugal Bacellar observa que:
Para satisfazer integralmente os interesses dos jurisdicionados e realizar justiça, é preciso investir na adoção de um modelo consensual que amplie o foco, busque visão sistêmica com raciocínio exlético. No modelo adversarial, no qual se pautou a estrutura processual brasileira, efetivamente o raciocínio é só jurídico e puramente dialético.[iv]
Se assim é, vejamos algumas regras de conduta.
Ninguém vai para uma audiência ou reunião sem ter examinado, previamente, todos os aspectos do conflito. Não só fatos e provas, mas também a jurisprudência. Este é o ponto de partida para saber até onde se recomenda ceder.
A proposta inicial, geralmente, é feita por quem provocou a reunião. Ou, em Juízo por indagação do juiz ou do conciliador. À parte contrária cabe avaliar de que provas dispõe o proponente, qual a sua situação econômica (pessoas mal financeiramente tendem a aceitar propostas menores) se for pessoa física, a idade (idosos têm pressa em acabar com o litígio), origem (alguns povos são menos propensos a conciliar), sexo e religião.
Neste primeiro momento não se deve mostrar fraqueza econômica nem emocional. Ambas levam o opositor a um fortalecimento, que se traduzirá em concessões menores. Por exemplo, se o conflito for de elevado valor econômico, uma jovem advogada não irá à reunião vestindo jeans com um buraco no joelho, mas sim um traje convencional, que passe a ideia de alguém estabilizada profissionalmente e habituada a tal tipo de embate.
É importante identificar, do lado oposto, quem manda. Às vezes estão sócios e funcionários. Em outras, familiares. Mas, em todo grupo humano, há os que lideram, encaminham as posições. É importante saber quem é quem e, a partir daí, dedicar-lhe especial atenção.
Durante a audiência ou reunião, há que se cuidar para a linguagem corporal. Colocar as mãos para trás mostra ou morder a caneta revelam falta de confiança, cruzar os braços significa estar na defensiva, pescoço caído aparenta fraqueza, pernas mexendo indicam nervosismo, corpo curvado na mesa e pernas dobradas apontam para submissão.[v]
Mesmo que a proposta inicial seja indecente, jamais deve ser recusada com uma frase radical como “esta oferta é absurda, jamais aceitaremos”.
Expor a própria posição com segurança, sem arrogância, tem alto poder de persuasão. Quando o oponente se contrapõe, é oportuno ceder no detalhe, dando-lhe a oportunidade de, aparentemente, vencer a discussão, usando esta concessão para conquistar uma vantagem maior logo em seguida.
O tempo deve ser bem calculado. Se o oponente dispõe de pouco tempo, porque tem uma audiência logo em seguida, talvez aceite logo fazer um acordo. Contudo, se a tendência dele é não conciliar porque não dispõe de tempo para avaliar a proposta, o melhor a fazer é propor que as tratativas prossigam em outro dia.
O acordo pode ser fatiado, não precisa ser um tudo ou nada. Pode ser que se avance mais discutindo e encerrando por aspectos diversos do que querendo resolver tudo de uma vez só.
Por exemplo, um ajuste de conduta a ser discutido em inquérito civil com um promotor de Justiça, talvez não permita discussão sobre a existência do dano ambiental, por ser inequívoco. No entanto, mesmo reconhecendo-o, o infrator pode negociar o prazo da recuperação da área, a forma de indenizar o prejuízo, juros, etc. Afinal, o acordo interessa a ambos: ao MP, porque evita uma ação judicial, ao causador do dano, porque define sua situação jurídica.
Acordos costumam ser feitos por equipes. É comum que uma equipe tenha um interlocutor mais agressivo e outro que ameniza a situação. Esta é uma técnica para enfraquecer o adversário, sentir sua posição, constatar se ele se intimida com as ameaças. A reação deve ser sempre de calma, ponderação. Se necessário, pede-se a suspensão para falar reservadamente com seu grupo.
Por vezes a parte contrária quer, acima de tudo, um pedido de desculpas, um reconhecimento. Isto pode ser feito, dentro dos limites do caso concreto. Pode-se incluir no termo, se for o caso, o dever de sigilo, ou seja, um reconhece o erro mas o outro fica proibido de divulgar aquele reconhecimento.
Por vezes o encontro está se encaminhando para o fracasso. Em tais casos, ensina Ken Langdon, “você pode solicitar um adiamento da negociação a qualquer hora. Isso permite a ambos os lados uma oportunidade para reavaliar suas estratégias à luz dos novos desdobramentos”.[vi]
Outras tantas observações merecem ser acrescentadas. Porém, o mais importante é saber que este é um novo mundo que se abre diante do profissional do Direito e que é imprescindível conhecê-lo.
[i] MAGALHÃES NORONHA, Edgar Curso de Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 1964, p. 33.
[ii] NIEMIC J. Robert. Mediation & Conference Programs in the Federal Courts of Appeals. Washington D.C., Federal Judicial Center, 1997.
[vi] LANGDON, Ken. Você sabe conduzir uma negociação? São Paulo: SENAC,\ 2009, P. 85.
Por Vladimir Passos de Freitas, desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 3 de dezembro de 2017, 10h21
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