O campo de aplicação da mediação é amplo; são poucas as situações que inviabilizam a sua utilização ou que impedem que as partes dela se aproveitem.
Considerando que todo conflito passa por um processo dinâmico e, assim, se submete a constantes transformações, a situação existente no início da controvérsia, administrada tão somente pelos conflitantes, pode ser solucionada com a colaboração de um terceiro equidistante, neutro, imparcial, a que se chama mediador, alcançando-se a transmudação da divergência em convergência e colocando-se fim ao conflito.
No âmbito cível, os conflitos de propriedade e posse podem ser resolvidos pela mediação.
O exercício dos direitos de propriedade e de posse, muitas vezes provoca situações conflituosas envolvendo o dono da coisa e o possuidor, situações que, de regra, são resolvidas por decisão judicial, favorecendo o proprietário ou o detentor da posse, proferida, geralmente, em sede de ações reivindicatória, possessória e usucapião.
Na disputa travada entre proprietário e possuidor, a pretensão daquele, consistente na recuperação da propriedade que lhe pertence, pode encontrar resistência deste, quando sustenta, por exemplo, que lhe assiste o direito de possuir em face de uma relação jurídica de natureza real ou obrigacional existente entre ele e o dono da coisa; por outra parte, a pretensão do possuidor de adquirir a coisa que detém por determinado tempo, também pode ser contrastada pelo titular do domínio quando invoca, por exemplo, a existência de qualquer causa que impede, suspende ou interrompe a usucapião.
Os conflitos relacionados à propriedade e à posse, tanto podem ser resolvidos por métodos adversariais, como não adversariais. Nos primeiros, os conflitantes em litígio, como partes de uma relação processual, têm as suas vontades submetidas à decisão de um juiz que delibera quem ganha e quem perde a causa; se o julgado põe fim ao litígio, por outra parte, não resolve a controvérsia do ponto de vista da satisfação dos interesses de cada litigante. Nos segundos, as partes, atuando em regime de mútua cooperação, buscam uma solução para a situação conflituosa independente de julgamento ou deliberação de um juiz; elas é que pavimentam o caminho para a criação de uma decisão que as beneficie mutuamente, resolvendo a questão de conformidade com os seus próprios interesses.
A mediação nesses conflitos tanto pode ser prévia como incidental, naquela, feita através de um procedimento informal, evitando-se a instauração de um processo judicial, e nesta realizada depois de processada a causa.
O lado marcante e as vantagens da mediação prévia são:
a) o conflito é administrado pelas partes que, por livre vontade, desejam ser orientadas por um medidor para a resolução da conjuntura conflituosa, não estando agrilhoadas por regras processuais;
b) manifesta economia de tempo: a controvérsia pode ser resolvida em uma única ou poucas sessões de mediação, não se eternizando, como ocorre com grande número de demandas submetidas a processo judicial;
c) não há maiores abatimentos de natureza emocional, o que é constatado, invariavelmente, no desenvolvimento do litígio pela via adversarial (judicial);
d) o custo financeiro para a resolução da contenda é diminuto, se comparado com os custos de uma ação judicial, observando-se que no caso de existência de questões técnicas que devem ser resolvidas através de perícia nas ações possessória, reivindicatória e usucapião, as despesas judiciais se avolumam expressivamente;
e) dissipação do desequilíbrio de poder, geralmente constante nos conflitos de propriedade e posse, em que o proprietário, detentor de maiores recursos, sobrepuja o posseiro, seu adversário;
f) as pretensões e aspirações das partes podem ser obtidas simultaneamente; e
g) a resolução da disputa pela mediação prévia, sem estabelecimento de uma desgastante demanda judicial, além de melhorar o relacionamento entre os mediandos, serve de instrumento de prevenção de futuros conflitos e de uma pacificação duradora.
São pontos de destaque da mediação incidental, aquela realizada após a instauração do processo:
a) mesmo já proposta a ação, há possibilidade de os litigantes se submeterem à mediação judicial ou serem remetidos à extrajudicial, usufruindo das vantagens daquela modalidade, acima apontadas, perseguindo uma forma mais efetiva de solução da controvérsia;
b) podendo ocorrer em qualquer fase do processo, principalmente no alvorecer da demanda, resolve a lide sem depender de uma longa instrução probatória que comumente sucede nos feitos que tenham por objeto questões relacionadas com a propriedade e a posse;
c) proporciona a composição da lide de forma mais célere e menos dispendiosa;
d) propicia a desobstrução do Judiciário, aliviando o foro de um grande número de feitos que possam ser solucionados a brevíssimo tempo;
e) o acordo que põe fim ao processo vai se revelar mais eficiente que a decisão do juiz ou do conciliador imposta na audiência a que alude o preceito 331 do Código de Processo Civil, porque construído pelos próprios litigantes que não ficam submissos, compulsoriamente, a nenhuma autoridade; e
f) encerrado o processo, nenhum dos demandantes vai experimentar qualquer sentimento de derrota posto que solucionada consensualmente a disputa, todos ganham; ninguém vai se sentir “perdedor” por ter que cumprir uma decisão ditada por uma autoridade judiciária.
Nos conflitos envolvendo o direito de propriedade, o modo adversarial de solução da controvérsia quase sempre não atende aos interesses dos litigantes, mesmo porque a decisão judicial,
a) não aparta as pessoas da situação conflituosa;
b) concentra-se nas posições em que se encontram as partes e não nos seus mútuos interesses;
c) não considera que os interesses são muito mais amplos que as posições;
d) ao “bater o martelo”, não oferece oportunidades nem cria opções que possam satisfazer ambas as partes; e
e) as questões de fato e as pretensões são levadas ao conhecimento do julgador por informações de profissional que representa processualmente os demandantes, agente parcial que defende exclusivamente os interesses do seu constituinte, inexistindo qualquer comunicação entre litigantes, necessária para que um compreenda os interesses do outro e reconheça eventuais pontos de convergência.
Pode-se afirmar que as controvérsias envolvendo direitos sociais como os de propriedade e de posse, repetidamente são dotados de grande carga emocional que muito dificulta a celebração de qualquer tipo de acordo e a pacificação das partes.
A via judicial, método tradicional de gestão de conflitos, como demonstrado linhas atrás, tem se revelado pouco eficiente para resolvê-los.
Dissertando sobre os “Fundamentos da Justiça Conciliativa”, registra Ada Pellegrini Grinover[1] que “A morosidade dos processos, seu custo, a burocratização na gestão dos processos, certa complicação procedimental; a mentalidade do juiz, que nem sempre lança mão de seus poderes que os códigos lhe atribuem; a falta de informação e de orientação para os detentores dos interesses em conflito; as deficiências do patrocínio gratuito, tudo leva à obstrução das vias de acesso à justiça e ao distanciamento entre o Judiciário e seus usuários. O que não acarreta apenas o descrédito na magistratura e nos demais operadores do direito, mas tem como preocupante consequência a de incentivar a litigiosidade latente, que frequentemente explode em conflitos sociais, ou de buscar vias alternativas violentas ou de qualquer modo inadequadas (desde a justiça de mão própria, passando por intermediações arbitrárias e de prepotência, para chegar até os ‘justiceiros’)”.
Recomenda-se, então, a utilização de formas alternativas, mais adequadas e efetivas de resolução dessas disputas, destacando-se a mediação por constituir um processo altamente eficaz e capaz de transformar os antagonismos em convergências, o que se alcança, principalmente, pelo diálogo entre os conflitantes; nesse processo os reais interesses das partes são mutuamente compreendidos, as diferenças são reconhecidas e aceitas, as pretensões, consideradas necessárias, e tudo isso constituem marcos que contribuem para a formação de um pacto que atenda os diferentes interesses, culminando com a dissolução do conflito e, consequentemente, restaurando a harmonia e a paz entre as partes.
Na mediação dos conflitos de propriedade e posse, podem ser aplicados os lineamentos do procedimento desse método, recomendando-se aos mediadores:
a) manter contato inicial com as partes em conflito (proprietário e possuidor), estabelecer com eles uma relação de harmonia e confiança e transmitir-lhes o significado e o escopo da mediação;
b) estimular a comunicação entre os envolvidos, para que possam, com espírito desarmado, sem qualquer preconceito, assimilar uns, os interesses dos outros;
c) auxiliar as partes a avaliar as diversas formas de administrar, sugerindo uma ou mais maneiras de resolução da controvérsia;
d) ajuntar os dados e informações relevantes da disputa, tais como a real titularidade do domínio da coisa, objeto do conflito; a origem da posse do não proprietário e o tempo da ocupação; se o possuidor realizou benfeitorias no imóvel; por quanto tempo perdura a divergência; se já houve tentativa para solucioná-la por vias (judicial ou conciliatória) e, caso positivo, porque não se alcançou o resultado, etc..
e) identificar as questões que preocupam as partes e os seus interesses ainda não revelados;
f) atuar no sentido de obter o reconhecimento de cada parte sobre os interesses da parte contrária;
g) convencer os mediandos da necessidade de se encontrar opções, avaliando os custos e benefícios das alternativas selecionadas;
h) demonstrar que os interesses comuns podem ser plenamente atendidos com as opções disponíveis; e
i) ultimar o processo de mediação, formalizando o acordo e criando um sistema de execução e garantia do pacto.
Finalizando, é de se reconhecer que a mediação, constitui um dos melhores e mais eficazes instrumentos de gerenciamento e de composição das disputas, e que pode perfeitamente ser aplicado nas situações existentes nos mais diferentes tipos de querelas, eliminando-as e promovendo a efetiva pacificação social das pessoas em conflito.
[1] In: Mediação e Gerenciamento do Processo – Revolução na Prestação Jurisdicional. São Paulo: Ed. Atlas, 2007, p.2.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 29 de outubro de 2013
0 comentários