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Controle do Judiciário na arbitragem deve ser posterior

Controle do Judiciário na arbitragem deve ser posterior

11 jul, 2013 | Adam, Adam Sistemas, AdamNews, Arbitragem, Notícias | 0 Comentários

A relação com o Judiciário é um dos aspectos mais sensíveis da arbitragem. Considera-se que as partes, ao convencionarem submeter determinado pleito à resolução por meio de árbitros, procuraram afastar o Judiciário do conhecimento dessa controvérsia. Por isso, causa estupor quando decisões judiciais interferem em processos arbitrais, proferindo o que se conhece em inglês como anti-arbitration injuctions [1].

Ninguém duvida que há necessidade de um controle por parte do Judiciário na arbitragem. Entretanto, uma convivência salutar entre o Judiciário e a arbitragem requer certo equilíbrio. Se autorizada uma intervenção ampla do Judiciário, corre-se o risco de a arbitragem perder os incentivos e as vantagens pelas quais os usuários a escolhem como método de solução de controvérsias (v. gr. autonomia, flexibilidade, celeridade, confidencialidade, entre outros). Por outro lado, uma arbitragem sem qualquer controle do Judiciário significaria deixar os usuários desamparados ante a ausência de proteção frente aos árbitros, o que também os levaria à desconfiança e à não utilização do instituto.

Para vingar, a arbitragem requer um Judiciário que faça respeitar os princípios basilares do instituto a cada intento de violação, seja pelas partes, pelos árbitros ou pelas entidades que administram procedimentos arbitrais.

O controle do Poder Judiciário é necessário. Todavia, cabe indagar em que momento deve ser exercido. O direito comparado majoritariamente admite o controle do Judiciário no fim do processo arbitral[2]. O controle posterior do Judiciário reconhece o principio da autonomia da vontade das partes, segundo o qual, se estas decidiram livremente submeter determinada disputa à resolução por meio de árbitros não pode uma delas, depois de surgido o conflito, porque não lhe interessa ou convém, acudir ao Judiciário para impedir o normal curso da arbitragem.

A Lei 9.307/1996 estabeleceu o controle judicial posterior, a ser exercido por ocasião da ação de anulação da sentença arbitral[3]. O artigo 8 da Lei de Arbitragem, no qual encontram-se dois princípios fundamentais do instituto da arbitragem, o principio da kompetenz-kompetenz e o principio da autonomia da cláusula compromissória, é garantia de que o controle do Judiciário na arbitragem será exercido após proferida sentença arbitral[4].

O principio da kompetenz-kompetenz estabelece uma hierarquia cronológica entre o árbitro e o juiz togado, por força da qual o árbitro é quem decide, em primeiro lugar, a respeito de sua competência para conhecer e decidir acerca de determinada controvérsia[5]. Pelo principio da autonomia da cláusula compromissória, esta é considerada independente do contrato no qual encontra-se inserida e, em sendo o contrato nulo ou inválido, a cláusula permanece eficaz a fim de o árbitro poder avaliar a respeito da sua jurisdição para dirimir essa disputa.

Ambos os princípios são uma salvaguarda contra a parte recalcitrante que, havendo celebrado uma convenção de arbitragem, após surgido o conflito, recusa submeter-se à arbitragem e procura o auxílio judicial para impedir o andamento do processo arbitral.

Cabe, ainda, indagar quando deve operar o controle do Judiciário nos casos em que constam da cláusula compromissória outros métodos de solução de conflitos (multi-tier clauses [6]) ou, em que a cláusula compromissória é uma cláusula combinada[7] ou fracionada[8], na qual se prevê a arbitragem e a eleição de foro.

Ambos os tipos de cláusulas são perfeitamente possíveis. Afinal, os métodos alternativos de solução de conflitos decorrem da autonomia da vontade das partes e pode ser que estas considerem ser conveniente prever outros métodos, anteriores à arbitragem, para resolver disputas, notadamente, a negociação ou a mediação, ou, prevejam a eleição de foro, para impetrar medidas cautelares antes de constituído o Tribunal Arbitral ou para proceder à execução da sentença arbitral.

A dificuldade com essas cláusulas surge quando redigidas de forma inapropriada, pois provocam dúvidas quanto aos limites e às condições de utilização de cada método de solução de controvérsias e do foro de eleição. Nestes casos, cabe indagar se o Judiciário deve intervir antes do árbitro e, interpretando a vontade das partes, decidir em que medida as partes devem se submeter à mediação, à arbitragem ou ao foro de eleição.

Somos da opinião de que o Judiciário, nestes casos, por força do artigo 8º da Lei 9307/96, não deve intervir antes do árbitro. E em razão de não haver, na Lei de Arbitragem, nenhuma limitação ao principio da Kompetenz-Kompetenz e ao principio da autonomia da cláusula compromissória, em havendo previsão de arbitragem em uma cláusula multi-tier ou em uma cláusula fracionada, o Judiciário deve remeter as partes à arbitragem, para o árbitro decidir, em primeiro lugar, a respeito da sua competência, bem como do alcance de sua jurisdição.

A arbitragem é um método de solução de controvérsias de exceção.

Estão obrigados a submeter pendências à arbitragem apenas aqueles que se obrigaram de forma escrita (Lei 9.307/96, art. 4º, § 1º[9]). Se a intenção fosse resolver o pleito por meio do foro de eleição, as partes não precisariam incluir previsão de arbitragem em seu contrato. Desde que inserida no contrato a cláusula compromissória, entende-se que as partes manifestaram seu compromisso de resolver suas pendências por meio de arbitragem.

Caberá, assim, ao árbitro, em primeiro lugar, por força do art. 8 da Lei 9.307/96, interpretar a vontade das partes, decidindo a respeito de sua competência, bem como da extensão da mesma, restando o controle do Judiciário para um momento posterior, quando da ação de anulação da sentença arbitral.

A razão de ser desta posição encontra-se na origem da arbitragem, que é contratual. Portanto, aplicam-se à cláusula compromissória os princípios que informam a teoria dos Contratos, o pacta sunt servanda ( o contrato é lei entre as partes), o principio da boa fé (art. 422 do Código Civil[10]), o venirem contra factum próprio[11].

Se as partes pactuaram livremente a arbitragem para dirimir seus pleitos, cabe ao Judiciário, quando acionado, em cumprimento do artigo 8º da Lei de Arbitragem, encaminhar as partes à arbitragem, para que o árbitro decida, em primeiro lugar, se possui ou não competência para dirimir esse pleito e, em havendo outro método de solução de controvérsias, ou mesmo previsão de foro de eleição, definir qual é a extensão da sua jurisdição face essas outras formas de solução de conflitos.

Existindo previsão de arbitragem, a intervenção anterior do Judiciário, afastando a jurisdição do árbitro ou do tribunal arbitral, constituiria uma violação do artigo 8º da Lei de Arbitragem, bem como um desrespeito aos princípios basilares da Teoria dos Contratos.

Por ocasião da Reclamação nr. 9.030-SP[12], a ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, teve oportunidade de se manifestar em relação ao principio da competência-competência. Segundo decisão monocrática da ministra Nancy Andrighi, cabe ao árbitro, eleito pelas partes, julgar sua própria competência:

“A teor do disposto no art. 8, parágrafo único, e 20, da Lei 9.307/96, questões atinentes à existência, validade e eficácia da cláusula compromissória deverão ser apreciadas pelo árbitro. Trata-se da Kompetenz-Kompetenz (competência- competência), um dos princípios basilares da arbitragem, que confere ao árbitro o poder de decidir sobre a sua própria competência, sendo condenável qualquer tentativa, das partes ou do juiz estatal, no sentido de alterar essa realidade.”

Recentemente, decisão do STJ no caso CEBSA x S E Ltda, declarando a competência do tribunal arbitral para dirimir controvérsia decorrente de contrato do qual constava cláusula compromissória, após conflito de competência suscitado entre o Judiciário do Rio de Janeiro e o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil Canadá (CAM-CCBC), confirmou o quanto estabelecido no artigo 8º da Lei 9.307/1996, deixando, assim, o controle do Judiciário para ser exercido em momento posterior à prolação da sentença arbitral[13].

[1] “Apesar de a Lei nº 9.307/1996 e os arts. 267, VII e 301, § 4º, do CPC estabelecerem, de forma inequívoca, o efeito negativo da cláusula compromissória, encontra-se, ainda, artifícios que são utilizados por uma parte recalcitrante para tentar escapar do procedimento arbitral. Uma parte poderia introduzir uma ação judicial com a finalidade de suspender ou interromper um procedimento arbitral sob o fundamento de que a cláusula arbitral é inexistente, nula, ineficaz ou caduca. Essas ações judiciais são conhecidas em direito comparado como anti-arbitration injunctions.” João Bosco Lee. Parecer: Eficácia da Cláusula Arbitral. Aplicação da Lei de Arbitragem no Tempo. Transmissão da Cláusula Compromissória. Anti-suit Injunction In Revista Brasileira de Arbitragem, nr. 11 (Jul/Ago/Set), Editora IOB, 2006, pg. 34

[2] Roque J. Caivano. Control Judicial en el Arbitraje. Abeledo Perrot, 2011, p. 606

[3] Lei 9.307/96: Art. 33. A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a decretação da nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta Lei.

[4] Lei 9.307/96: Art. 8º A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória. Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação de partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha cláusula compromissória.

[5] A pesar da denominação kompetenz-kompetenz (competência-competência), o principio refere-se à jurisdição do árbitro. O art. 8 da Lei 9.307/96 delimita qual das duas jurisdições, a arbitral ou a estatal, está legitimada para apreciar determinado conflito.

[6] Solução de disputa multi-tier significa combinar negociação e/ou mediação com arbitragem, oferecendo às partes algumas opções menos formais, mais econômicas, não-obrigatórias e mais flexíveis que o processo judicial ou a arbitragem isolada. Geralmente funciona de seguinte forma: se por um determinado período as partes não chegarem a uma via satisfatória de solução de controvérsias seja pela negociação, consultoria de especialistas, mediação ou a combinação destas soluções, as mesmaspodem ir para arbitragem ou processo judicial. Isto permite escolher opções mais flexíveis com a chance de optar por outro método primeiro, com as vantagens assinaladas acima. MASON, Paul. Sete Chaves para a Arbitragem na América Latina In Revista Brasileira de Arbitragem, nr. 3,(Jul/Ago/Set), Editora IOB, 2004, p77.

[7] “Cláusulas de eleição de foro e arbitragem, inseridas num mesmo contrato, são denominadas genericamente pela doutrina de cláusulas combinadas.” Selma Ferreira Lemes: Cláusulas combinadas ou fracionadas: arbitragem e eleição de foro. In. Revista do Advogado, Ano XXXIII, abril de 2013, nr. 119, p.154

[8] “Entendemos também ser possível classificar a previsão de eleição da arbitragem e foro judicial num contrato como cláusula fracionada, valendo-se de conceito emprestado do Direito Internacional Privado, especialmente no âmbito dos contratos internacionais, denominado de “dépeçage”, “morcellement” ou “fracionamento” no que concerne à escolha da lei aplicável ao contrato e o princípio da autonomia da vontade.” Selma Ferreira Lemes. Ob. Cit., p. 154

[9] Lei 9.07/96: Art. 3º, § 1º A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.

[10] Código Civil: Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

[11] “Trata-se da circunstância de um sujeito de direito buscar favorecer-se em processo judicial, assumindo conduta que contradiz outra que a precede no tempo e assim constitui um proceder injusto e portanto inadmissível (STIGLITZ, 1990, p.491).” Sílvio de Salvo Venosa. Código Civil Interpretado. Editora Atlas, 2011, p.509

[12] Superior Tribunal de Justiça (STJ). Corte Especial. Decisão Monocrática. J. 29.6.2012. Reclamação nr. 9.030-SP. Min. Rel. Fátima Nancy Andrighi.

[13] Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segunda Seção. J. 08.05.2013. CEBSA vs. S E Ltda., Min Rel. Fátima Nancy Andrighi

Adriana Noemi Pucci é advogada em São Paulo, doutora e mestre em Direito pela Usp, membro da lista de árbitros de Câmaras de Arbitragem no Brasil e no exterior e redatora-chefe da Revista Brasileira de Arbitragem

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 11 de julho de 2013

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