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Atualmente, o ponto central pelo qual perpassa o Poder Judiciário está na ineficiência do Órgão frente ao inovador grau de tarefas atribuídas, tendo em vista a desproporção entre a procura pelos serviços judiciais e a oferta dos recursos disponíveis. Isto porque, segundo relatório elaborado no ano de 2015, mas com data base referente ao ano de 2014, disponibilizado pelo programa “Justiça em Números” do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os altos índices de carga contenciosa representam o aumento desproporcional das ações judiciais, culminando nas crises de litigiosidade e morosidade.
Precisamente, no ano de 2014, o Poder Judiciário inicia com o estoque de 70,8 milhões de processos, tendente a aumentar devido ao total de processos baixados terem sido inferior ao de ingressados, conforme o índice de atendimento à demanda de 98,7%. Estima-se, portanto, que, ao final de 2014, o número de ações judiciais cresça em meio ponto percentual, ultrapassando, assim, 71,2 milhões de processos pendentes.[1]
Além disso, há o acréscimo de 1,4% no total de processos baixados, o que representa cerca de 28,5 milhões de processos em 2014. Já o número de casos novos aumentou em 1,1%, atingindo quase 28,9 milhões de processos ingressados durante o ano de 2014. Como consequência do crescimento quantitativo de casos novos e dos pendentes, a taxa de congestionamento do Poder Judiciário é de 71,4%, correspondentes ao aumento de 0,8 pontos percentuais em relação ao ano anterior de 2013.[2]
Dessa forma, mesmo que o Poder Judiciário seja paralisado sem ingresso de novas demandas, com a atual produtividade de magistrados e servidores, são necessários quase 2 (dois) anos e meio de trabalho para “zerar” o estoque.[3]
A partir desse crônico cenário presente na Justiça Brasileira, pode-se dizer que ou se é réu ou autor no Brasil, de modo que a excessiva judicialização das demandas traz à tona a real necessidade de mudança no comportamento dos cidadãos, tornando-os menos dependentes do sistema autor-réu-juiz.
Atentos à indispensabilidade de mudanças, os legisladores brasileiros redigiram a Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015, que, em poucos dias, entra em vigor e figura como marco legal do novo paradigma para o sistema de Justiça Brasileira.
A Lei de Mediação, como vem sendo denominada, é orientada pelos princípios da imparcialidade do mediador; isonomia entre as partes; oralidade; informalidade; autonomia da vontade das partes, busca do consenso, confidencialidade e boa fé. Prevê, também, a possibilidade contratual de cláusula de mediação e aponta que apenas conflitos que versem sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação podem ser objeto de mediação.[4]
Quem conduz a mediação é o mediador, ou seja, um facilitador que conduz o procedimento de comunicação entre as partes, buscando o entendimento e o consenso a fim de facilitar a resolução do conflito. O mediador pode ser designado pelo Tribunal ou escolhido pelas partes.
Segundo destaca o art. 11 da Lei de Mediação, podem atuar como mediadores judiciais as pessoas capazes, graduadas há pelo menos dois anos em curso de ensino superior de instituição reconhecida pelo Ministério da Educação e que tenha formação em escola ou instituição de formação de mediadores, reconhecida pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM ou pelos Tribunais, sendo que os órgãos devem criar e manter cadastros atualizados dos mediadores habilitados.[5]
Registre-se que a mediação é uma técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório que escolhido ou aceito pelas partes auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia.
O procedimento da mediação, previsto na seção III da mencionada Lei inicia-se com a primeira reunião, podendo o mediador reunir-se com as partes, em conjunto ou separadamente, bem como solicitar informações que entender necessárias para facilitar o entendimento de todos. A técnica encerra-se quando não se justificar novos esforços para a obtenção de consenso, ou com a celebração do acordo pela lavratura do seu termo final, que se constitui título executivo extrajudicial, ou quando homologado judicialmente o título executivo judicial. [6]
No procedimento da mediação, o desenvolvimento das sessões pelo mediador enquanto facilitador do diálogo é recortado por passos ou etapas definidas entre: a) preparação da mediação que serve para dar informações sobre o conflito; b) sessão conjunta inicial que consiste em reuniões conjuntas entre o mediador e as partes, na qual o mediador explica o procedimento e escuta atentamente as apresentações iniciais de cada lado e faz perguntas para clarificar as posições e os interesses; c) sessão conjunta inicial privada na qual o mediador se reúne em separado com cada parte e seu advogado; d) sessões conjuntas e privadas subsequentes nas quais se ajuda as partes a desenvolverem opções, propostas e alternativas cooperativas; e) finalização do procedimento, se possível, com o esboço de compromissos mútuos.[7]
A partir destas fases é notório o quão diferente mostra-se o tempo do processo judicial e dos demais meios de tratamento dos conflitos, se comparados ao tempo da mediação. Isso porque, a abordagem da mediação não tem como objetivo a rápida obtenção do acordo ou a imposição verticalizada da decisão, mas a condução ao estado de cooperação capaz de reorganizar as relações sociais, uma vez que reduz a dependência cultural do paradigma do juiz como única figura de estabilização das demandas.
Dessa forma, a mediação transparece ser proposta “transformadora do conflito”[8], pois não busca a decisão pelo terceiro, mas sim a resolução pelas próprias partes as quais recebem auxílio do mediador. Por meio da mediação, chega-se a nova concepção do Direito: ao paradigma que determinaria o novo objeto no que se vê deslocado das normas para o conflito.
Pautada na autonomia da vontade, a abordagem mediadora convida as pessoas a trabalharem com a negociação que “identifique aquelas coisas que você pode conceder ao seu oponente e que representa um alto benefício para ele, mas que não custem muito a você”.[9] (tradução nossa). Embora trabalhada por diversos ângulos, de modo geral, convergem os autores no sentido de que a mediação é instrumento auto compositivo e não adversarial, porque são as partes sem a rivalidade do “amigo x inimigo” quem decidem as demandas sob a orientação de terceiro imparcial.
Sem imposições de sentenças ou laudos, mas com apoio do profissional devidamente formado, a mediação auxilia as partes a acharem seus verdadeiros interesses e a preservá-los num acordo criativo em que todos ganhem. Como defendeu Warat, na mediação, a autoridade judicial não será a única a decidir e o conceito de autoridade, outrora desenvolvido na tutela jurisdicional prestada no bojo do Processo Civil, se substitui pelo da alteridade, no sentido de que é preciso constituir-se com o outro, enquanto sujeito de direito[10].
Destas definições convencionais resta claro que a mediação, diferentemente do processo judicial, não deve “concluir nem decidir nada, deve somente fazer com que as partes conflitantes estejam em condições de recomeçar a comunicação.”[11] Especificamente, as partes devem estar dispostas a permitir que o terceiro entre na disputa e reestabeleça a comunicação interrompida entre elas, de modo que a aceitabilidade a qual envolve a consideração da presença do mediador e a voluntariedade que dispõe a participação livre no acordo são características inerentes ao método mediado dos conflitos.
Nesse sentido, a mediação se entrelaça com a ideia de justiça humanizada em que são dadas as partes a oportunidade de gerar uma solução própria para seu conflito, extraindo-se da técnica o caráter pedagógico (medida ética). Não obstante a mediação não pode ser a primeira ratio[12]. O processo judicial só deverá ser iniciado após a comprovação de que este método de tratamento dos conflitos restou infrutífero. Por isso, a necessária mudança no perfil dos profissionais do direito, apegados à ideia de litígio e combate, para uma aposta educacional da decisão participativa das partes na forma de Justiça.
[7] Nesse aspecto ÁLVAREZ, Gladys S.; HIGHTON, Elena I. Highton; JASSAN, Elías. Mediación y Justicia. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1996, p. 136-140.
[8] WARAT, Luis Alberto. O ofício do mediador. Florianópolis: Habitus, 2001, p. 80.
[9] Original: “Identifique aquellas cosas que usted puede concerdele a su oponente y que representan um alto beneficio para él, pero que no le cuestan mucho a usted”. URY, William. Supere el No: Cómo negociar com personas que adoptan posiciones obstinadas. Barcelona: Grupo Editorial Norma, 1991, p. 113.
[10] WARAT, 2001, p. 81.
[11] SPENGLER, Fabiana Marion. O Estado-jurisdição em crise e a instituição do consenso: por uma outra cultura no tratamento de conflitos. 2007. 476 f. Tese — Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 200, p. 317-318.
[12] Assim, como a prisão não pode ser a primeira opção no processo penal, entende-se que a opção pelo processo judicial também deve ser a última opção, após a tentativa de todos os meios alternativos de estabilização dos conflitos.
ÁLVAREZ, Gladys S.; HIGHTON, Elena I. Highton; JASSAN, Elías. Mediación y Justicia. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1996
URY, William. Supere el No: Cómo negociar com personas que adoptan posiciones obstinadas. Barcelona: Grupo Editorial Norma, 1991, p. 113.
WARAT, Luis Alberto. O ofício do mediador. Florianópolis: Habitus, 2001
Por Juliana Ribeiro GoulartJuliana Ribeiro Goulart possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC-RS. Tem experiência na área da advocacia, com ênfase em Direito Processual, área em que é especialista pelo CESUSC. Atualmente ocupa o cargo de Assistente Jurídica da Procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina e é pesquisadora na área da Mediação de conflitos. E-mail: juligoulart@hotmail.com. E Jéssica Gonçalves é Graduada em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL-SC. Formada pela Escola da Magistratura do Estado de Santa Catarina (módulo I e módulo II). Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC-SC. Pós-Graduada em Direito Público pela Universidade Regional de Blumenau – FURB-SC. Pós-Graduada em Direito Aplicado pela Universidade Regional de Blumenau – FURB-SC. Mestranda do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC-SC. E-mail: jessic.goncalves@hotmail.com.
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