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“Sociedade não pode ser tão dependente do Estado para resolver conflitos”

“Sociedade não pode ser tão dependente do Estado para resolver conflitos”

10 nov, 2014 | Adam, Adam Sistemas, AdamNews, Arbitragem, Conciliação, Mediação, Negociação, Notícias | 0 Comentários

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A sociedade não pode ser tão dependente do Estado para resolver seus conflitos. É preciso haver mecanismos próprios para solucionar as disputas, acabando com a ideia de que tudo precisa ser resolvido nos tribunais. É o que defende o advogado e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, Kazuo Watanabe.
Doutrinador reconhecido na área do Direito Processual e com participação ativa na criação do Código de Defesa do Consumidor, Watanabe propõe o “Pacto da Mediação” para que empresas e escritórios de advocacia se comprometam a tentar a solução amigável dos problemas antes de mandar a questão para o Judiciário. Como resultado provável, aponta a preservação do relacionamento entre as partes e a certeza de um resultado positivo para todos, além, é claro, da maior celeridade e do menor custo do processo.
Sobre o receio da advocacia em relação à mediação, Watanabe assegura que advogados vão continuar estáveis no mercado: “Eles vão cobrar menos na tentativa de solucionar o caso sem ir para o Judiciário, mas vão receber mais rápido”. Como exemplo, o advogado afirma que o profissional americano já se acomodou com os meios extrajudiciais de solucionar as lides — e estão fazendo bom proveito.
“O americano ganha muito dinheiro com a mediação. Lá, menos de 5% dos conflitos vão para julgamento final, porque no curso, 95% ou até mais, são solucionados pelos mecanismos alternativos. Mesmo considerando que a Justiça americana é mais cara, 95% de soluções fora do Judiciário é um número muito alto”, afirma.
Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, Watanabe disse acreditar que a quantidade de bons acordos é o termômetro que mede a eficácia dos juizados. Tal medição é ameaçada quando a demanda foge dos limites de sua competência.
“Na Justiça Federal, por exemplo, quase todos os casos vão pra sentença final. Nela, o juizado está sendo utilizado para dar um procedimento mais rápido, mas o objetivo não é só isso, o objetivo do juizado é um pouco mais de natureza social, facilitar o acesso ao cidadão e, com isso, mudar um pouquinho a cultura da sociedade. Essa finalidade do juizado está desaparecendo, porque jogaram tudo para ele.”
Nascido em Bastos, cidade que foi destino de muitos imigrantes japoneses no interior de São Paulo, Watanabe escolheu o Direito inspirado nos personagens dos livros que lia na infância. Ele se identificava com aqueles que tinham formação jurídica. E foi só na academia, durante os agitados anos de 1954 e 1959, que se viu participando totalmente da sociedade brasileira.
Da sua cultura japonesa, Kazuo Watanabe aponta para um “caldo cultural” que condiciona o seu comportamento. O cidadão japonês que vai ao tribunal, sem antes tentar uma solução amigável, é mal visto na vizinhança, no trabalho e na escola. E fica, praticamente, excluído da comunidade. Watanabe garante: “O japonês é tão briguento quanto o brasileiro”, mas essa questão cultural controla a sociedade e desestimula a judicialização imediata dos conflitos.
Leia a entrevista:
ConJur — O senhor é um grande entusiasta do uso da mediação. Qual é a importância de empresas e escritórios de advocacia se comprometerem a tentar resolver a questão antes de levá-la ao judiciário?
Kazuo Watanabe — A Justiça é obra coletiva, a boa organização da Justiça não depende só do Poder Público, depende da participação da sociedade. A sociedade não pode ser tão dependente do Estado na resolução dos conflitos, tem de ter mecanismos próprios para solucionar as disputas. Por isso, o Pacto de Mediação é uma convocação do segmento empresarial da sociedade para que se comprometam a tentar solucionar as questões antes de levá-las ao Judiciário. As indústrias, o comércio de um modo geral, o setor financeiro, assumem a responsabilidade social de cooperar com a Justiça, tentando solucionar os conflitos antes da sua judicialização. O evento em que o pacto será assinado nasceu na Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem da Fiesp/Ciesp.
ConJur — E o que as empresas ganham em contrapartida, além dessa função social?
Kazuo Watanabe — A mediação possibilita a Justiça mais rápida, menos custosa e o que é importante, preserva relacionamento entre os conflitantes. Se o cliente reclama de uma empresa e ela souber tratar bem do problema, essa pessoa continua como freguesa…
ConJur — Não deixa crescer o problema?
Kazuo Watanabe — Exato. Soluciona o conflito e o relacionamento se mantém. Além disso, outro resultado positivo é a certeza de que todas as partes sairão vencendo. O processo judicial traz um estado de incerteza, mesmo para aquele que tem razão em vista, porque a decisão é do juiz. Mas na mediação, como as próprias partes constroem a solução, essa incerteza acaba.
ConJur — Por que uma empresa, que pode levar um processo para a Justiça, iria tentar resolver amigavelmente uma questão com a qual, a princípio, ela já não concorda?
Kazuo Watanabe — É preciso saber separar os tipos de conflitos. Se o conflito for de massa, ou seja, envolver muitas pessoas, tem de ir para o Judiciário. Por exemplo, os bancos estão brigando ainda por causa da caderneta de poupança. Se fizer acordo com um cliente e não fizer com outro, vai criar uma situação ruim. Ou faz com todo mundo ou não faz com ninguém. Mas, se são conflitos genuinamente de natureza primitiva, eu acho que o mecanismo mais adequado é a mediação.
ConJur — O Judiciário brasileiro não dá conta da demanda de processos, enquanto o Japão tem a cultura de desestimular o litígio judicial. O que motiva essa diferença?
Kazuo Watanabe — Há muitas explicações. Eu entendo que existe um caldo cultural que condiciona o comportamento do japonês. Se um japonês vai ao tribunal imediatamente depois de um atrito com uma pessoa e não busca uma solução amigável, ele é mal visto na vizinhança e no trabalho. Ele praticamente fica excluído daquela comunidade.
ConJur — O controle informal da sociedade é mais severo do que o formal?
Kazuo Watanabe — Muitas vezes sim. O controle informal da sociedade que se dá através de vizinhança, escola, trabalho é muito mais forte do que o controle formal, feito por polícia, Ministério Público, e Justiça. Esse controle informal, às vezes, é tão severo que leva muita gente ao suicídio. Isso controla um pouco a sociedade. Não é possível comparar países diferentes, mas, só para se ter uma ideia, o estado de São Paulo tem 40 milhões de habitantes, território equivalente ao do Japão, que tem 120 milhões de habitantes. No estado de São Paulo, para 40 milhões de habitantes, há mais de 300 mil advogados. Vamos dizer que apenas um terço advogue, mesmo assim são 100 mil profissionais para 40 milhões de pessoas. O Japão, para 120 milhões de habitantes, há menos de 30 mil advogados. O japonês é tão briguento quanto o brasileiro, mas há uma questão cultural nessa relação com a Justiça.
ConJur — O brasileiro depende muito do Estado…
Kazuo Watanabe — Sim. Sem discutir o que aconteceu na eleição, metade da população do Brasil vive de bolsa família. Vivemos da proteção do Estado, e na Justiça acontece a mesma coisa. Por isso que o movimento para a mediação é extremamente importante para ver se a sociedade se organiza e forma uma nova mentalidade.
ConJur — Nos Estados Unidos, mais de 4 mil empresas e 1,5 mil escritórios de advocacia já assinaram ao Pacto da Mediação. Isso terá influência no Brasil?
Kazuo Watanabe — As empresas que tiverem filial no Brasil também vão assinar aqui. Então, certamente General Eletric (GE), Shell, Wall Mart vão assumir o compromisso. No Brasil, o Banco Itaú já afirmou que vai assinar também. Com isso, eles se comprometem a solucionar o caso antes de ir ao Judiciário, independente de estar no plano passivo e ativo.
ConJur — Alguma empresa já disponibilizou o resultado de fazer a solução extrajudicial de conflitos?
Kazuo Watanabe — Sim. A General Eletric, por exemplo, adotou o programa de solução antecipada de disputas. Isso significa que ao ver o conflito, eles procuraram criar formas internas de solução mais adequada e chegaram à conclusão de que economizaram 40 milhões de dólares. Muitas empresas já aderiram a essa medida interna.
ConJur — Caso isso se torne comum no Brasil, os advogados sairão perdendo?
Kazuo Watanabe — A participação dos advogados é fundamental. Tanto é que no pacto dos Estados Unidos mais de 1,5 mil escritórios de advocacia assinaram o pacto. O profissional, muitas vezes, tem a ideia de que ele só ganha dinheiro se o problema for pra Justiça, mas não é bem assim. O advogado pode contratar um cliente e tentar solucionar o caso sem ir para o Judiciário. Como a solução é mais rápida, ele deve cobrar menos e estabelecer um percentual adequado. O americano ganha muito dinheiro com a mediação. Lá, menos de 5% dos conflitos vão para julgamento final, porque, no curso, 95% ou até mais são solucionados pelos mecanismos alternativos. Mesmo considerando que a Justiça americana é mais cara, 95% de soluções fora do Judiciário é um número muito alto.
ConJur — O juiz americano tem o costume de negociar mais com as partes. Aqui, o juiz é muito vinculado ao processo, ele é quase que um escravo do processo. É possível melhorar esse procedimento dentro da Justiça?
Kazuo Watanabe — A minha preocupação na minirreforma de 1994 era de incorporar esse modelo americano. Nós sugerimos a chamada audiência preliminar, o artigo 331, tentando transformar o juiz brasileiro num juiz mais ativo. Nos EUA, há o case management, que é gerenciamento de caso. O juiz recebe a petição inicial e, com a ajuda de assessores, já identifica pontos importantes, manda o autor esclarecer algumas coisas. Depois, o juiz reúne as duas partes para estabelecer um calendário de processo e vai gerenciando o caso. O juiz americano é o verdadeiro condutor do processo.
ConJur — Aqui, nos processos de massa, o juiz não consegue ter a iniciativa. Ele recebe milhares de processos e tem de despachar. Se ele for abrir a possibilidade de negociação para cada processo será o caos no Judiciário. Como é possível resolver esse problema?
Kazuo Watanabe — Quando os juizados foram pensados na década de 1980, a ideia básica era de facilitar o acesso do cidadão comum à Justiça. Isso porque, a grande maioria não estava querendo ir à Justiça, por causa da complexidade, custo elevado e demora. E isso estava formando o que eu costumo chamar de panela de pressão social, que para estabilidade social é muito perigoso. Quando a população começa a não confiar nos mecanismos oficiais de solução de conflito, tende a reagir violentamente.
Além disso, a competência inicial do juizado era de cinco salários mínimos, no máximo 10. Depois passou para 20 e, no fim, passou pra 40 salários mínimos. Mas julgam execução de título extrajudicial, ação de despejo… Tudo que não seria problema do cidadão comum de acesso à Justiça, eles jogaram nos juizados para tentar resolver a crise de morosidade da Justiça. Com isso, o juizado ficou sobrecarregado. O mal não está na ideia do juizado, mas na ideia de ampliar demasiadamente a sua competência e o Estado não dar recursos para aprimorar a estrutura.
ConJur — A gente tem um problema grave no juizado que é a segunda instância. As turmas recursais estão mais atoladas que a Justiça de primeiro grau comum..
Kazuo Watanabe — Eu costumo dizer que a pedra de toque do juizado é a conciliação. O que mede a eficácia do juizado é a quantidade de bons acordos. Mas quando o juizado começa a dar muita sentença e começa haver muito recursos dessas sentenças, é sinal de que não está funcionando adequadamente. Na Justiça Federal, por exemplo, quase todos os casos vão pra sentença final, ali o juizado está sendo utilizado para dar um procedimento mais rápido, mas o objetivo não é só isso, o objetivo do juizado é um pouco mais de natureza social, facilitar o acesso ao cidadão e com isso mudar um pouquinho a cultura da sociedade. Essa finalidade do juizado está desaparecendo porque jogaram tudo para ele.
ConJur — É comum a crítica de que o Poder Público é o grande causador do assoberbamento da Justiça e, com isso, surge a pergunta: Como é que o Estado a quer me impor a conciliação ou mediação, se o próprio Poder Público recorre de teses que já estão mais que sacramentadas…
Kazuo Watanabe — Esse é realmente um grande problema que estamos enfrentando. O Estado é um dos litigantes mais frequentes no Judiciário, mas é preciso analisar que tipos de conflitos o Estado leva. Quando o Estado é réu numa ação, a sociedade civil é que está agindo contra. Além disso, no volume de serviço do Judiciário de São Paulo, 50% são isenções fiscais, que é a tentativa de recuperar um crédito que a população deixou de pagar. Então nessas demandas eu acho que o Estado tem razão de ir pra Justiça, porque não há outros meio de fazer tal cobrança. O problema é a organização do setor de cobrança administrativo.
ConJur — O senhor é a favor do Estado poder arrolar e penhorar os bens antes de começar a execução?
Kazuo Watanabe — O Estado deveria fiscalizar melhor. Verificar se o devedor tem patrimônio e só ajuizar a cobrança fiscal quando tiver certeza de quem tem o patrimônio para responder por aquela dívida.
ConJur — A conciliação deveria ser uma etapa obrigatória no processo judicial?
Kazuo Watanabe — Na Constituição Federal de 1824 havia uma norma que dizia que ninguém poderia ter acesso à Justiça sem provar que tentou previamente a conciliação e que isso seria feito por um juiz de paz. A figura de juiz de paz que temos hoje remonta a essa instituição antiga, mas hoje juiz de paz é juiz de casamento. Isso poderia sim ser usado para determinadas demandas.
ConJur — Pela Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça determina que as sessões de conciliação e mediação devem ser feitas por conciliadores e mediadores e apenas supervisionado por um juiz. Como nasceu essa resolução?
Kazuo Watanabe — Eu e a professora Maria Tereza Sadek fizemos a proposta de o Conselho Nacional de Justiça regulamentar melhor a parte de conciliação e mediação, com a seguinte consideração: o CNJ é um órgão do Judiciário que cuida da parte disciplinar, mas também cuida da eficiência do Judiciário. Nós percebemos que a conciliação era praticada no Brasil todo como uma mera faculdade que o juiz podia oferecer as partes. Por isso, chegamos à conclusão de que o Judiciário teria que ampliar esse conceito de serviço Judiciário e não poderia se limitar a oferecer apenas o serviço de solução de contencioso, mas também todos os mecanismos adequados para a solução dos conflitos, inclusive mediação da conciliação e não só isso, também serviço de orientação e informação. Além disso, a resolução é um pouco mais ampla, fala de Judiciário para mudar a cultura predominante e atuar junto com as instituições de ensino, fazer com que as faculdades criem disciplinas.
ConJur — Aliás, a técnica de negociação virou uma parte recente do currículo de Direito. Não é uma coisa muito comum…
Kazuo Watanabe — Não é mesmo. A Resolução 125 é um ato muito importante na transformação do Judiciário brasileiro. O acesso à justiça não é só o direito de ser ouvido por um órgão do Judiciário, mas de ir a um órgão Judiciário para encontrar uma solução adequada.
ConJur — É a Justiça no sentido amplo.
Kazuo Watanabe — É muito mais acesso à ordem jurídica justa do que acesso à Justiça como um órgão Judiciário, como órgão do Estado. Acesso à ordem jurídica justa supõe ter uma compreensão da realidade, e o juiz trabalhar de forma tal que atenda o real interesse das partes.
ConJur — Acontece que, muitas vezes, o advogado não quer negociar, e não há o que fazer..
Kazuo Watanabe — Os advogados podem estabelecer honorários diferenciados para os casos de mediação, como os advogados americanos fazem. Nesses casos, eles vão ganhar menos, mas vão receber mais rápido. Falta um pouco da percepção de que a mediação interessa também ao advogado. E, em relação a produtividade, a Resolução 125 já fala que as soluções amigáveis também devem contar para aferição do mérito do advogado.
ConJur — Alguns estados como o Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina começaram a criar a figura de juiz leigo, ou seja, aquele que não é juiz de carreira.
Kazuo Watanabe — O juiz leigo ganha por tarefa, por exemplo, quando faz um acordo ou uma minuta da sentença. Eu não sou a favor de juiz leigo, eu acho que isso transforma juizados especiais em juizado de assessores. Grande parte dos juízes faz mesmo a sentença, mas uma minoria pode começar só a assinar o que o assessor faz…
ConJur — Hoje em dia, quem mais julga, na prática, são assessores. O motivo é o excesso de processos?
Kazuo Watanabe — Pode ser excesso de serviço… Mas no meu tempo não tínhamos computador, nem assessor, nem gabinete. Trabalhávamos em casa e com máquina de escrever e tínhamos, proporcionalmente, a mesma quantidade de processos que os juízes têm hoje. Na minha vara, tinha uma média de 5 mil processos por ano.
ConJur — A gente pode falar que com esses assessores houve uma queda de qualidade comparado com antigamente?
Kazuo Watanabe — Não sei, eu não tenho advogado, mas o pessoal reclama… Existem assessores muito bons, então se escolher bons assessores, pode virar uma Justiça boa, mas é muito difícil de controlar, porque assessor muda de cada titular…
ConJur — O juiz tem um certo preconceito com ação coletiva, sendo que por um lado ela pode resolver as coisas mais facilmente?
Kazuo Watanabe — Quem vai atuar na área de processo coletivo tem que dominar a distinção entre interesse difuso, interesse coletivo, interesse individual homogêneo. A dificuldade não é tanto na área do direto e sim na solução do fato que pode ser muito complexa. Por exemplo, se uma das partes agiu com má fé, qual é o critério para aferir má fé ou boa fé?
ConJur — O senhor propôs no novo CPC a possibilidade de o juiz transformar ação individual em coletiva. Qual que é o conceito?
Kazuo Watanabe — Não é qualquer ação que tem essa possibilidade. Existem conflitos de várias naturezas. Quando uma ação individual tem alcance coletivo é importante que transforme isso, às vezes, numa demanda coletiva para que o juiz dê uma sentença que valha para todos. Em alguns casos, para que o conflito seja solucionado definitivamente é interessante que a ação se transforme em coletiva, porque o bem jurídico que está sendo tutelado é o bem jurídico vai além da pessoa que está propondo a ação.
ConJur — A pessoa não tem que se habilitar a executar a sentença?
Kazuo Watanabe — Não.
ConJur — E no caso de uma improcedência, acaba-se o assunto também?
Kazuo Watanabe — Acaba o assunto definitivamente. Agora na prática existem ações pseudo-individuais, a ação é proposta como individual, mas na verdade não poderia ser. Trata-se de uma demanda que individualmente não pode ser processada, é uma pseudo-demanda individual.
ConJur — O novo CPC propõe a coletivização das demandas. É o chamado Incidente de Conversão da Ação Individual em Ação Coletiva. Como é que isso vai funcionar?
Kazuo Watanabe — Eu acho que os juízes foram muito contra isso, porque era uma forma de avocar um processo sem tirar da decisão de primeiro grau. Nós sugerimos demanda coletiva, não em substituição, mas para complementar essa ação. Mas, eu sei que a comissão originaria do senado não está aceitando esse incidente de coletivização, parece que eles vão ficar só com incidente de demandas repetitivas…
ConJur — O novo CPC traz mudanças significativas?
Kazuo Watanabe — Acho que não. Não tocaram em aspectos importantes como o juiz mais ativo na condução de um processo, o modelo é mais formalista, mais, de juiz passivo. O código muda algumas coisas mais pontuais..
ConJur — Como o efeito suspensivo dos recursos?
Kazuo Watanabe — Eu achei interessante no sentido de prestigiar mais o primeiro grau. Mas para implementar um modelo dessa natureza, é preciso organizar uma Justiça adequadamente. Se a Justiça de primeiro grau não estiver bem estruturada então é um risco muito grande.
ConJur — O ministro Teori Zavascki acredita ser um erro apostar na infalibilidade das cortes superiores no papel de controle das decisões locais. Para ele, o sistema precisa trabalhar com a possibilidade de erro. A saída seria ampliar o uso da ação rescisória?
Kazuo Watanabe — É difícil dar uma opinião sobre isso. Em princípio, pelo menos nas duas instâncias ordinárias, supõe-se que tenha havido uma decisão razoável. É preciso privilegiar a decisão das duas instâncias, se houver erro, então admite-se uma revisão, mas a decisão tem que ser executada de modo definitivo. Privilegiar as instâncias inferiores é muito importante, desde que o estado organize bem as instâncias inferiores.
ConJur — O novo CPC também diz que o juiz vai poder negar uma ação que não esteja em conformidade com a jurisprudência. Como isso funcionaria?
Kazuo Watanabe — Vai depender da matéria. Nas demandas repetitivas, talvez tenha um resultado socialmente mais útil. Quando se fala em tese jurídica, nem sempre estamos numa demanda repetitiva nesse conceito da pessoa estar disputando sobre o mesmo caso, sobre a mesma tese. Às vezes, as demandas são repetitivas no sentido de que na vida social há muitas pessoas que trabalham da mesma forma, não é uma disputa sobre uma tese jurídica. É um fato isolado.
ConJur — Muitos juízes ainda não seguem a jurisprudência por entender que o que vale é o seu livre convencimento.
Kazuo Watanabe — O novo CPC está querendo mudar isso. Em relação, por exemplo, a tese constitucional, a Constituição de 1988 diz que a decisão do Supremo Tribunal Federal tem eficácia vinculante. Então o que o Supremo decidir em termo de inconstitucionalidade, todo mundo tem que obedecer. Mas, como em relação a tese, a normas infraconstitucionais, não existe autorização na Constituição, em tese não pode haver um súmula vinculante. Mas esse incidente de tratamento das demandas repetitivas leva mais ou menos a esse resultado…
ConJur — Mas isso é um risco, não é? O advogado hoje em dia entra com um recurso especial e extraordinário ao mesmo tempo.
Kazuo Watanabe — Mas para ir para o Supremo está ficando cada vez mais complexo, por causa de Repercussão Geral.
ConJur — O próprio Supremo julgou esses dias o efeito de uma mudança de jurisprudência, ou seja, até a jurisprudência do Supremo pode mudar…
Kazuo Watanabe — Pois é, a partir de quando vale a mudança de interpretação? Eu entendo que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pode ter essa eficácia a ponto de o juiz que já indeferiu uma petição inicial julgar improcedente, já no nascedouro da ação, sem citar a outra parte. A jurisprudência está contra a jurisprudência. Essa norma vai acabar parando no Supremo Tribunal Federal.
ConJur — O senhor participou da criação da antecipação da tutela, que foi muito criticado por ter sido criado para resolver as lides de forma mais rápida, mas acabou se tornando um recurso a mais…
Kazuo Watanabe — A antecipação de tutela nasceu de várias sugestões que já existiam e a comissão de 1994 apenas a consolidou. A constatação é de que na prática já existia antecipação de tutela. Na época, ela só foi regulamentada, estabelecendo certos requisitos como o de ter um juiz de verossimilhança e uma prova que convença pela possibilidade de dano. Eu acho que a regulamentação foi importante, porque o processo civil brasileiro era processo civil do réu, no sentido de que o autor que tivesse razão tinha que aguardar até a solução final do processo para obter reconhecimento do seu direito. A antecipação era uma forma de regular isso: a demora no processo ia ser suportada ou pelo autor ou pelo réu.
ConJur — O problema é o juiz que julga a liminar e demorar para chegar no mérito e acumula muitos processos que acabam perdendo o objeto.
Kazuo Watanabe — Não é tanto pela perda de objeto. Às vezes, a decisão liminar do juiz já decide o conflito todo. As partes não têm mais interesse em disputar. Com base nessa constatação a professora Ada Pellegrini Grinover apresentou um projeto de lei de estabilização das decisões liminares. Ou seja, se houver uma liminar, e a parte a quem é desfavorável não recorrer, isto é, manifestar uma ação por silêncio, induz aceitação daquilo e acaba o processo. É chamado de incidente de estabilização da demanda.
ConJur — Em relação a Tutela Específica das Obrigações de Fazer e Não Fazer, o que o CPC propõe?
Kazuo Watanabe — Essa tutela específica já estava no Código de Defesa do Consumidor e foi para o Código de Processo Civil. Tradicionalmente, entendia-se que o descumprimento de uma obrigação de dar e da obrigação de fazer, se resolvia em perdas e danos. Então se, por exemplo, um pintor famoso não pinta o quadro prometido, só cabe a indenização, porque não há a possibilidade de coagir o pintor a pintar. Mas, em alguns casos, o ato do devedor não é tão importante. Então, se é possível o Judiciário substituir o ato do devedor para outorgar o direito prometido, então tinha que adotar essa solução.
ConJur — Então se o devedor não cumprir a determinação judicial, a própria Justiça pode solucionar de fato o problema?
Kazuo Watanabe — Sim, e isso pode acontecer em matérias que envolvam o meio ambiente, por exemplo. Vamos supor que a Petrobras tenha sido condenada a colocar um filtro numa chaminé que está poluindo, e não obedece a decisão do juiz. A solução em condenar por perdas e danos não resolve o direito do autor da ação que tem direito ao meio ambiente sadio. Então a ideia é fazer com que a Petrobras coloque efetivamente o filtro, caso não o faça, o juiz pode nomear um interventor dentro da empresa e alocar recurso para esse fim, e atingir plenamente o direito da parte.
ConJur — Hoje volta à tona a discussão do CDC, principalmente as questões de crédito, excesso de crédito, excesso de oferta de crédito e compras eletrônicas…
Kazuo Watanabe — Superendividamento. No Código de Defesa do Consumidor, o importante avanço que nós tivemos foi a complementação da Lei da Ação Civil Pública, que era de 1985, mas disciplinou só tutela de interesse coletivo. A tutela de direitos individuais homogêneos vem com o Código de Defesa do Consumidor que complementa a disciplina da ação coletiva, por isso se diz que o sistema de processo coletivo no Brasil é formado por duas normas, dois diplomas legais. Há um microssistema: A Lei da Ação Civil Pública e o CDC dão um sistema legal de ações coletivas.
Alessandro Cristo é editor da revista Consultor Jurídico
Livia Scocuglia é repórter da revista Consultor Jurídico.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 9 de novembro de 2014, 7h11

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