Sem dúvidas o momento mais oportuno para a escolha da arbitragem como método de resolução de conflitos é aquele da celebração do contrato por meio da inserção da cláusula compromissória. Neste lapso, ambas as partes estão confiantes e otimistas no resultado positivo da sua nova parceria e, por consequência natural, elegerão a maneira mais célere e eficiente para solucionar os eventuais conflitos.
A predileção pela arbitragem como forma de resolução de disputas empresariais decorre, em certa medida, dos seguintes fatores: i) os benefícios da arbitragem [1], ii) segurança jurídica decorrente da previsão legal [2] e iii) a qualidade das decisões das Cortes Estatais e sobretudo dos Tribunais Superiores. [3] O resultado é notório, pois verifica-se significativo aumento no número de novos casos e nos valores envolvidos nas disputas. [4]
Uma vez que as partes escolhem a arbitragem como meio de resolução de disputas, todas as questões envolvendo direitos patrimoniais e disponíveis, oriundas daquela relação contratual, serão submetidas à apreciação dos árbitros.
Sempre que a arbitragem é escolhida como o método de solução de controvérsias, o recolhimento de custas será condição para sua instauração. Tanto a Câmara escolhida pelas partes quanto os profissionais que serão indicados como árbitros deverão receber a remuneração pela respectiva atividade (taxas e honorários). Normalmente as custas serão calculadas proporcionalmente ao valor da causa. [5]
Além dessas custas existem outros valores que também devem ser contabilizados quando se trata de procedimento arbitral, contratação de um escritório advocatício e de experts (peritos) por exemplo, que por sua vez demandarão ainda mais recursos das partes.
Visando garantir o prosseguimento da arbitragem e a remuneração dos árbitros durante o procedimento, os Regulamentos das principais Câmaras de Arbitragem, como a Corte de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional –Paris (CCC) [6], Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC) [7] e Câmara de Arbitragem Empresarial – Brasil (Camarb) [8], preveem regras determinando que as custas deverão ser recolhidas no início do procedimento, permanecendo, portanto, caucionadas desde o início da arbitragem.
Considerando que a situação econômica das empresas poderá oscilar durante o cumprimento do contrato, não raras vezes as partes litigantes poderão enfrentar dificuldades financeiras, a ponto de não possuírem recursos suficientes para arcarem com as despesas. Isso, sobretudo no atual cenário econômico, vem se mostrando um empecilho para a instauração de algumas arbitragens.
Indo além, há ocasiões em que o único ativo financeiro que uma empresa possui é justamente uma expectativa de direito oriunda de uma possível demanda a ser proposta contra outrem, a exemplo do caso da empresa canadense Crystallex. [9] Assim, a falta de recursos financeiros de uma das partes, de fato, pode ser um entrave para a instauração do procedimento arbitral, visto que não existe nesta modalidade de jurisdição a assistência judiciária ou “justiça gratuita”. [10]
O fato é que, a despeito dos custos envolvidos, a arbitragem ainda assim se mostra extremamente vantajosa em relação às outras formas de resolução de conflitos. E é justamente neste espírito que, hoje, no mercado existe solução apta a viabilizar, no todo ou em parte, os recursos necessários para a instauração (ou prosseguimento) da arbitragem.
Na origem o TPF é a sigla da expressão em inglês para third-party funding que, no Brasil, é chamado de Financiamento de Arbitragem por Terceiros. O TPF pode ser definido como: a relação na qual um terceiro (financiador profissional) alheio à lide, financia as custas e demais despesas devidas por uma das partes envolvidas na arbitragem em troca de participação em eventual resultado financeiro obtido com o êxito da arbitragem (seja por sentença ou acordo).
Destarte, cumpre esclarecer que este mercado possui portfólio variado de produtos envolvendo o financiamento das arbitragens. Dentre as possibilidades existentes no mercado, o Funder ou Financiador poderá:
i) financiar a integralidade ou parte das custas e despesas necessárias para a instauração da arbitragem (taxas, honorários, experts, peritos, escritório de advocacia, dentre outras), sendo remunerado, tão somente por uma participação em eventual resultado da arbitragem (sentença ou acordo). Nessa modalidade, o Funder somente será remunerado em caso de êxito do financiado, assumindo integralmente o risco pelo recolhimento das custas;
ii) emprestar o valor referente às custas, sendo remunerado por (a) uma taxa de juros previamente estabelecida, independentemente do resultado da arbitragem e, (b) um bônus de sucesso em um eventual acordo ou sentença favorável;
iii) adquirir os créditos decorrentes de sentença ou decisão arbitral, com deságio a ser acordado pelas partes, oferecendo liquidez para o financiado e assumindo os riscos envolvidos na execução da sentença.
Para Nieuwveld e Shannon, existem três principais motivos que possibilitam o crescimento do TPF. O primeiro deles é a política pública do acesso à justiça para aqueles que não possuem recursos financeiros suficientes para arcarem com as despesas da demanda. O segundo fator está atrelado à necessidade de algumas empresas manterem o fluxo de caixa disponível para exercer a atividade empresarial usual. Por fim, o terceiro fator apontado pelas autoras está relacionado ao mercado incerto que incentivou os hegde funds, bancos e várias outras instituições financeiras a buscarem investimentos que não estão diretamente ligados à volatilidade do mercado. [11]
Nesse sentido, o contrato de TPF realizado por uma instituição especializada consegue gerar ganhos para a parte financiada e também para o investidor. Poder-se-ia inclusive fazer a seguinte comparação: o TPF está para as arbitragens assim como o private equity(PE) e o venture capital(VC) [12] estão para as Startups. Assim como o PE e o VC, o TPF não representa apenas o aporte de recursos financeiros, mas sim de um verdadeiro instrumento de auxílio jurídico, legal e operacional para uma parte que deseja ser financiada — sem assumir o controle das decisões decorrentes da legitimidade processual. O TPF buscará minimizar os riscos de seu investimento, contribuindo com o cliente com esforços comuns para se alcançar o êxito na sentença.
Além do auxílio oferecido pelo Fundo, a opção pelo financiamento poderá decorrer de análise jurídico e financeira. Poucos são os CFOs [13] que conhecem essa possibilidade financeira para viabilizar os valores necessários via Funder, liberando o capital próprio para ser alocado em investimentos e operações da própria empresa com rentabilidade superior. Por esse motivo, poderá o departamento jurídico ou o escritório contratado, após análise legal e estratégica, apresentar essa opção aos executivos da empresa.
Diante disso, o Financiamento de Arbitragens por Terceiros pode ser a única forma de viabilizar o acesso à arbitragem para empresas em crise. Ademais, a participação de um Funder ou Financiador poderá contribuir até mesmo para a obtenção do êxito na arbitragem.
1 Os benefícios da arbitragem são, principalmente: i) o sigilo, ii) celeridade iii) escolha da lei a ser aplicada e iv) a especialidade das decisões e a possibilidade de escolha do julgador.
Nesse sentido, ver também: TIMM, Luciano Benetti. Arbitragem nos contratos empresariais, internacionais e governamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009 (p. 23-24) e PINTO, José Emilio Nunes. Arbitragem e o desenvolvimento econômico. Revista de Arbitragem e Mediação. Ano 6, nº 20, p. 66-73 – jan.-mar./2009; (p. 72)
5 Supondo um litígio com valor estimado de R$3.500.000,00 (o que é razoável se tratando de procedimento arbitral), as custas médias relativas a uma demanda arbitral com este valor, considerando um Tribunal Arbitral composto por 3 (três) árbitros, podem variar de R$ 200.000,00 (no caso da CAMARB) até R$ 500.00,00 a depender da Câmara escolhida.
6 Regulamento de Arbitragem da CCI: 36(2) Logo que possível, a Corte estabelecerá o valor da provisão que seja suficiente para cobrir os honorários e despesas dos árbitros e as despesas administrativas da CCI relativos às demandas que lhe tenham sido submetidas pelas partes, salvo demandas submetidas nos termos do artigo 7° ou 8°, casos em que o artigo 36(4) será aplicado. A provisão para os custos de arbitragem fixada pela Corte nos termos do artigo 36(2) deverá ser paga pelo requerente e pelo requerido em parcelas iguais.
7 Regulamento de Arbitragem CAM-CCBC: “12.2. A Taxa de Administração devida ao CAM-CCBC será exigida da parte requerente, a partir da data de protocolo da notificação ao Presidente requerendo a instituição da arbitragem, e da parte requerida, a partir da data de sua notificação.
12.7. Cada parte depositará no CAM-CCBC sua quota parte do valor dos honorários dos árbitros, correspondentes a um mínimo de horas definido na Tabela de Despesas ou a um percentual sobre o valor da causa. O referido depósito deverá ser realizado no prazo definido na Tabela de Despesas.
8 Regulamento de Arbitragem da CAMARB: 11.6 No ato de celebração do Termo de Arbitragem, o(s) requerente(s) depositará(ão) metade do total da taxa de administração e dos honorários de árbitros, enquanto o(s) requerido(s) depositará(ão) a outra metade, segundo os critérios definidos neste Regulamento, salvo decisão diversa do Tribunal Arbitral.
9 Relata Duarte Henriques: “A empresa canadiana Crystallex havia sido expropriada da sua unidade de exploração mineira na República Bolivariana da Venezuela, tendo por isso iniciado uma arbitragem no Centro Internacional para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos – ICSID (vulgarmente denominada ‘arbitragem de investimento’ ou ‘arbitragem ICSID’). Posteriormente, a Crystallex procurou obter financiamento por meio da emissão de títulos de dívida no montante de USD 120 milhões destinados ao pagamento a credores e a fazer face às despesas do processo da arbitragem de investimento. Não tendo obtido sucesso nessa operação, a empresa entrou em processo de insolvência e solicitou ao tribunal canadiano que concedesse autorização para obter financiamento alternativo, para ambas as finalidades apontadas. Foi então autorizada a realização de uma operação de financiamento que envolvia a injecção de capital na empresa dirigida a pagamento de credores, desenvolvimento das operações da empresa e promoção da arbitragem de investimento. Neste financiamento, a entidade financiadora (“Tenor Capital”), além de obter diversas garantias para pagamento dos seus créditos, nomeou também dois dos cinco membros do conselho de administração da empresa supervisionada. A particularidade deste financiamento reside na circunstância de uma parcela do financiamento ser objeto de liquidação em termos similares aos financiamentos obtidos nos mercados financeiros (liquidação de capital e juros) e a outra estar submetida ao regime puro do ‘third-party funding’, ou seja, está submetida ao risco associado ao resultado do processo. ” (HENRIQUES, 2015, p. 579) HENRIQUES, Duarte Gorjão. “Third Party Funding” ou o Financiamento de Litígios por terceiros em Portugal. Revista da Ordem dos Advogados de Portugal. Lisboa, ano 75, n. 3-4, p. 573-624, jul-dez 2015;
10 Nesse sentido, Ferro, Marcelo Roberto. O Financiamento de arbitragens por terceiro e a independência do árbitro, in CASTRO, Rodrigo R. de Monteiro et al., Direito empresarial e outros estudos de direito em homenagem ao Professor José Alexandre Tavares Guerreiro. São Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 626.
11 Nieuwvald, Lisa Bench e Shannon, Victoria. Third-party Funding in International Arbitration. Alphen Aan Den Rijn: Kluwer Law International, 2012, p. 11.
12 “Uma primeira característica dos investimentos PE/VC é o papel ativo do gestor do fundo em identificar uma companhia com potencial para ser investida, negociar e estruturar a transação, intervir na gestão da companhia e monitorar o portfólio de companhias após a realização dos investimentos. Assim, um investimento PE/VC é consideravelmente diferente de uma seleção passiva de ativos, com a mera compra e retenção dos papéis, sem maiores interações com a companhia investida, como pode acontecer com outras modalidades de investidores. ” (LOBO; PONTENZA, 2016, p. 268) LOBO, Carlos Alexandre; PONTENZA, Guilherme Peres. Investimentos venture capital e private equity: considerações práticas e jurídicas. In: BOTREL, Sérgio; BARBOSA, Henrique (coord.). Finanças corporativas: aspectos jurídicos e estratégicos. 1. Ed. – São Paulo: Atlas, 2016.
13 Chief Financial Officer.
Por Felipe Moraes, advogado e secretário geral da Câmara de Arbitragem Empresarial – Brasil (Camarb). Mestre em Direito Privado e especialista em Direito Público. Professor da Pos-graduação e do LLM do IBMEC. Treinado em Mediação Empresarial (Business Mediation) pelo CPR Conflict Prevention and Resolution – NY. E Heitor Castro Cunha, Secretário de Procedimento na Câmara de Arbitragem Empresarial – Brasil (Camarb).
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 2 de março de 2017, 7h27
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