O uso de métodos de autocomposição em disputas empresariais é tema que ganhou novo fôlego com o advento da Lei 14.112/20, que promoveu extensa alteração Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei 11.101/05).
No entanto, a lei nada mais fez do que acolher tendência já adotada pelo ordenamento jurídico, notadamente por meio do regramento contido na Resolução 125/2010 do CNJ e no Código de Processo Civil de 2015.
Este cenário “pacificador” contrapõe-se ao movimento vigente a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, no qual a garantia do acesso à Justiça, inserta no artigo 5º, XXXV, repercutiu em uma excessiva litigiosidade dos conflitos.
Contudo, paulatinamente percebeu-se a relevância dos métodos de autocomposição, vez que o sistema encarregado de distribuir justiça não possui apenas uma via, mormente em questões familiares e que envolvessem direitos patrimoniais disponíveis [1].
Entre as formas alternativas para solução dos conflitos, destacam-se conciliação, mediação e arbitragem.
A arbitragem e a mediação têm como principal distinção a intensidade da atuação do terceiro imparcial escolhido para auxiliar as partes na solução do litígio. O conciliador participará de forma mais ativa e poderá fazer sugestões, enquanto o mediador atuará de forma mais discreta e facilitará o diálogo entre as partes [2].
Por sua vez, a arbitragem tem como principal fundamento a autonomia privada das partes, sendo viável quando o litígio envolver direito patrimonial disponível.
A arbitragem é regulada por lei especial (Lei 9.307/96) e nela o terceiro imparcial impõe sua decisão para o conflito, cuja legitimidade deriva da própria autonomia privada das partes, vez que estas anuíram em se submeter ao juízo arbitral [3].
No Direito Empresarial, também se percebeu a importância dos instrumentos alternativos de composição dos litígios, o que levou à edição da Recomendação 59/2019 do CNJ, que assim dispõe: “Recomenda aos magistrados responsáveis pelo processamento e julgamento dos processos de recuperação empresarial e falências, de varas especializadas ou não, que promovam, sempre que possível, o uso da mediação”.
Em corroboração à recomendação do CNJ, a Lei 14.112/20 acrescentou a Seção II-A na Lei 11.101/05, que disciplina amplamente a conciliação e mediação nos processos de recuperação judicial.
O artigo 20-A elenca, em rol exemplificativo, diversas situações em que se admite a conciliação e mediação, merecendo destaque o fato de que a composição pode ocorrer de forma antecedente ou incidental.
Em caráter antecedente, é notória a relevância dos métodos autocompositivos, uma vez que podem auxiliar o empresário em crise na negociação com seus credores, e, assim, evitar que se recorra à recuperação judicial da sociedade empresária.
Segundo Marcelo Sacramone, a “negociação poderá permitir que o empresário equalize o seu passivo exigível a curto prazo ou garanta novas formas de financiamento”, o que efetivamente pode equilibrar a crise [4].
Ainda que não se evite o processo de recuperação judicial, a negociação em caráter antecedente permite a concessão de tutela de urgência em caráter cautelar, com o fim de suspender as ações executivas pelo prazo de até 60 dias, período em que se buscará a conciliação ou mediação com os credores (artigo 20-B, §1º).
Há de se esclarecer que, caso não exista acordo e se ingresse com o pedido de recuperação judicial, o prazo acima mencionado será descontado do período de stay period (artigo 20-B, §3º).
Apesar de se ter enfatizado, até o momento, a relevância da mediação e da conciliação entre o empresário em crise e os credores, não se pode olvidar o fato de que o conflito, a ser dirimido consensualmente, pode se instaurar também entre os próprios sócios ou acionistas da pessoa jurídica, ou então entre o empresário devedor e credores extraconcursais.
Em suma, são inúmeras as hipóteses em que se poderia vislumbrar a utilização de meios alternativos de solução de conflitos, pois a lei impõe óbice em limitadas situações, quais sejam: a) quanto à natureza jurídica do crédito; b) quanto à classificação do crédito; e quanto aos critérios de votação na assembleia geral de credores (artigo 20-B, §2º).
Outro aspecto que merece relevo é a atuação, ou melhor, a ausência de atuação do administrador judicial na conciliação ou mediação.
Isto porque o artigo 22, I, “j”, que estabelece extenso rol exemplificativo acerca dos deveres do administrador judicial, prevê que cabe a ele “estimular, sempre que possível, a conciliação, a mediação e outros métodos alternativos de solução de conflitos relacionados à recuperação judicial e à falência, respeitados os direitos de terceiros”.
Embora a lei estabeleça o dever de estimular a composição entre as partes, o administrador judicial deve se manter equidistante da negociação, a fim de que possa exercer sua função legal com imparcialidade [5].
De qualquer modo, ainda que demande prudência, a participação do administrador judicial mostra-se necessária, sobretudo para garantir que eventual acordo celebrado não onere mais o patrimônio do devedor ou prejudique direito de terceiros.
Observadas todas as exigências legais, o acordo celebrado deve ser submetido a homologação judicial (artigo 20-C), que só não ocorrerá se o ajuste de vontades violar norma de ordem pública ou afetar o direito de terceiros no procedimento de recuperação judicial [6].
A Lei 14.112/20, de forma muito acertada, cuidou também de disciplinar a situação do crédito decorrente da negociação, caso sobrevenha requerimento de recuperação judicial ou extrajudicial no prazo de 360 dias.
Em tais circunstâncias, a nova obrigação passa a conter cláusula resolutiva, de sorte que, caso requerida a recuperação judicial ou extrajudicial no prazo supramencionado, a novação será resolvida.
Desse modo, a obrigação originária volta a prevalecer nas condições inicialmente contratadas, deduzidas as quantias eventualmente pagas, e nesses termos serão avaliadas no rito recuperacional.
Por todo o exposto, percebe-se que a utilização de métodos autocompositivos tem considerável importância no Direito Empresarial, notadamente no procedimento de recuperação judicial, extrajudicial e falência.
A depender da fase da utilização desses métodos e do objeto do conflito, pode-se até mesmo evitar o requerimento de recuperação judicial, permitindo que o empresário devedor equilibre a crise por meio da concessão de novos prazos e garantias.
[1] MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao código de processo civil – artigos 1º ao 69. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 121-122.
[2] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 166-167.
[3] Ibidem.
[4] SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 153.
[5] COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à lei de falências e de recuperação de empresas. 14 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, p. 113-114.
[6] SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 153.
Por Rafaela Junqueira Guazzelli, advogada especialista em Direito Processual Civil pela UFG, atuante nas áreas de Direito Civil e Empresarial.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 16 de agosto de 2021, 11h36.
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