Os princípios básicos da Kompetens-Kompetens (competência-competência), sua relevância e exceções, e a adequação com que é aplicado na jurisprudência brasileira e de outros países foram as questões abordadas no painel “O velho e sempre novo princípio da Kompetenz-Kompetenz”, que aconteceu nesta sexta-feira (17/9), no 20º Congresso Internacional de Arbitragem.
Dyalá Jimenez, advogada e fundadora do grupo Latino-Americano de Arbitragem da Câmara Internacional de Comércio, iniciou a palestra definido o princípio da competência-competência. Segundo ela, o princípio estabelece que, na jurisdição arbitral, o árbitro é o primeiro juiz em relação a jurisdição. Ou seja, pela competência-competência o árbitro tem a oportunidade de ser o primeiro a dizer se possui competência para dirimir a disputa e julgar a existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem.
“Para exercer totalmente os poderes que os árbitros possuem, eles precisam ser livres para decidir se a convenção arbitraria é nula ou sem efeito, sem medo que a sua jurisdição ou decisão irá ser modificada posteriormente”, ressaltou a advogada.
O princípio da competência-competência cria também uma ficção de “separabilidade” — a cláusula de arbitragem possui independência em relação ao contrato do qual faz parte. Assim, o árbitro pode determinar uma lei de regência para a convenção diferente da lei escolhida no contrato principal.
Catherine Amirfar, advogada e presidente da Sociedade Americana de Direito Internacional, explicou quais situações permitem ao Judiciário afastar o princípio da competência-competência, trazendo uma visão comparada do direito dos Estados Unidos, Singapura e França.
Começando pelos EUA, Amirfar afirmou que a Suprema Corte decidiu que em arbitragens coletivas (“class actions”), quando envolverem direitos de terceiros ou de consumidores, o procedimento muda de natureza e precisa de uma delegação específica de poder para os árbitros para proteger os participantes. Então, nesses casos há exceção ao princípio da competência-competência e o árbitro não pode decidir sobre a arbitrabilidade.
Segundo ela, o Conselho Europeu também se preocupa com a questão de proteção ao consumidor, no mesmo contexto dos EUA. Há por trás disso a ideia de que os consumidores não estão sendo protegidos de forma adequada pela cláusula compromissória.
Porém, esses exemplos ainda são exceções, segundo a especialista. Uma nova regra do ICTR determina que o tribunal arbitral deve ter o poder de determinar a jurisdição, sem necessidade de encaminhar as matérias primeiro para um tribunal estatal. E isso tem sido usado na jurisprudência dos Estados Unidos, porque ainda há poucas circunstâncias em que há causa para preocupação se o individuo que assinou um contrato com cláusula de arbitragem não recebe todas as informações e precisa de proteção.
No mesmo sentido Singapura já decidiu que os tribunais arbitrais podem avaliar sobre a jurisdição se houver evidências primafacie da validade, e que os árbitros devem ter a primeira chance de fazer a análise da jurisdição.
O ministro do Supremo Tribunal de Justiça Paulo de Tarso Sanseverino afirmou que a jurisprudência do STJ evoluiu de um sentimento de receio em relação a arbitragem para grande simpatia e confiança. Em muitas circunstâncias, atualmente, o Tribunal entende que a arbitragem se mostra mais adequada que a jurisdição estatal.
Segundo o ministro, há três grandes períodos da relação do STJ com a arbitragem: antes de Lei 9.307/96 (poucos acórdãos que se discutiam irregularidades formais), o período imediatamente posterior a edição da lei e o período posterior a Emenda Constitucional 45/2004.
Depois da edição da Lei 9.307/96 (Lei de Arbitragem), houve uma fase de ceticismo, sendo que o Supremo Tribunal Federal chegou a discutir a constitucionalidade da Lei de Arbitragem. As coisas mudam quando o STJ edita a Súmula 485, que diz que a Lei 9.307/96 era plenamente aplicável, inclusive para contratos celebrados antes da sua edição, pontuou Sanseverino. Na terceira fase apontada pelo palestrante, após a EC 45/2004, que atribuiu ao STJ a competência para homologar sentenças arbitrais estrangeiras, a matéria passou a ter grande simpatia dentro da Corte.
Especificamente sobre ao princípio da competência-competência há várias discussões no STJ sobre sua validade e existência. O ministro esclareceu que o Tribunal vem aplicando o artigo 8º, Lei 9.307/96 para conceder a primazia do juízo arbitral sobre o estatal na análise da sua própria competência. Citou diversos precedentes recentes que vão na mesma linha, reconhecendo a primazia do juízo arbitral e a validade da cláusula compromissória.
Quanto ao contrato de adesão, o ministro entende que essa matéria deve ser apreciada pelo tribunal arbitral, uma vez que a hipossuficiência reconhecida na origem não é suficiente para a aplicação das hipóteses de exceção à cláusula da competência-competência.
Em casos de compromisso arbitral patológico, em que é reconhecida claramente a ilegalidade, o judiciário pode se antecipar e declarar a invalidade da cláusula especialmente, mas Sanseverino ressalta que esse caso é uma exceção que confirma a regra.
André Luis Monteiro, of counsel em um escritório de Londres, fez considerações sobre formas de aprimorar a segurança jurídica no Brasil, principalmente quanto ao princípio da competência-competência.
Primeiro, ele ressaltou que importância do princípio é garantir o respeito da autonomia privada das partes, criar uma divisão de tarefas entre o poder judiciário e árbitros para distribuir justiça, criar obstáculos à manobras procrastinatórias, além de demonstrar amadurecimento institucional do país e gerar segurança jurídica aos jurisdicionados e a investidores.
Monteiro afirmou que em uma análise geral a aplicação e tal princípio no Brasil é positiva, porque a legislação brasileira é moderna e a jurisprudência do STJ privilegiar a ideia da competência-competência. Porém, ele destacou alguns pontos que o país ainda pode evoluir.
A exceção ao princípio da competência-competência, previsto no artigo 4ª, parágrafo 2º, da Lei de Arbitragem, é feito para proteger quem precisa ser protegido, que são consumidores e empregados; logo, para o palestrante, como em contratos empresariais nenhuma parte precisa ser protegida, não devem ser aplicados a eles a exceção.
Para o especialista, o procedimento do CPC sobre o que as partes devem fazer chegar ao judiciário a existência de uma cláusula compromissória não é adequado. Da forma, estipulada hoje a parte que pretende levar ao conhecimento do juiz da existência da cláusula precisa esperar para dizer na contestação.
Segundo Monteiro, isso é inconveniente porque demora muito para chegar ao momento de apresentar a contestação e na contestação o réu precisa alegar toda a matéria de defesa, sendo que o que realmente quer é definir se o judiciário é competente para conhecer do assunto.
“A doutrina construiu duas saídas adequadas: a parte interessada pode alegar a existência de convenção de arbitragem por simples petição antes mesmo de apresentar a contestação, ou as próprias partes na cláusula compromissória estabelecem um negócio jurídico processual dizendo que poderão alegar por simples petição caso alguma demanda judicial seja proposta”, explicou.
Por fim, propôs que o STJ mude seu entendimento de que cabe conflito de competência entre árbitros e juízes. Segundo Monteiro, o STJ ainda não considerou que o novo CPC, em seu artigo 485, VII, estabeleceu que o juiz não resolverá o mérito quando o tribunal arbitral reconhecer sua competência. Para ele, esse dispositivo acabou com o conflito de competência, porque determina que no momento que o árbitro reconhece sua competência os juízes têm que extinguir o processo judicial; assim o STJ deveria rever sua posição quanto ao tema.
Por Ana Luisa Saliba, repórter da revista Consultor Jurídico.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 17 de setembro de 2021, 18h51
AdamNews – Divulgação exclusiva de notícias para clientes e parceiros!
0 comentários
Usamos cookies para garantir que oferecemos a melhor experiência em nosso site. Você aceita?SimNãoPolítica de privacidade
0 comentários