Na última quarta-feira (26), foi aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) n° 6.787/2016, a chamada Reforma Trabalhista, que altera a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) “a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho”. As alterações são de extrema relevância e abrangência, assegurando maior respeito à autonomia da vontade, tanto coletiva quanto individual, e trazendo alternativas para desafogar a Justiça do Trabalho e acabar com a exagerada judicialização das relações de emprego no País. Uma dessas medidas é a previsão de arbitrabilidade de conflitos envolvendo empregados em cargos de maior hierarquia, ocupados por profissionais com maior grau de instrução e sem a figura da hipossuficiência presente na maioria das relações de emprego.
Apesar de rara, a resolução de temas de competência da justiça do trabalho por meio de arbitragem não é novidade, sendo prevista constitucionalmente para a resolução de dissídios coletivos[1], bem como nas legislações específicas sobre o direito de greve (Lei 7.783/89)[2], sobre a participação nos lucros e resultados (Lei 10.101/00)[3] e o regulamento das atividades portuárias (Lei 2.815/13)[4]. A novidade, então, é a possibilidade de opção, em comum acordo por empregadores e empregados com maior posição hierárquica, de discussão de direitos individuais pela via arbitral, retirando a obrigação hoje existente de judicialização dos dissídios.
Assim dispõe o artigo 507-A do Projeto de Lei: “Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996”. Hoje, a cláusula compromissória seria permitida apenas para empregados com remuneração superior a R$ 11.062,62[5], o que corresponde a cerca de 2% dos empregados do país.
Disposição semelhante[6] estava prevista no projeto da Lei nº 13.129/15, que reformou recentemente a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996), que dispunha que o conflito seria arbitrável desde que o empregado ocupasse cargo ou função de administrador ou de diretor estatutário. O dispositivo, apesar de ter sido aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, foi vetado pelo então vice-presidente Michel Temer, em razão da criação de “distinção indesejada entre os empregados” (desconsiderando que a distinção já existe, seja nas funções, salários, escolaridade etc.) e da utilização de termos (nomenclatura de cargos) que não estariam definidos tecnicamente na legislação trabalhista, o que colocaria em risco os trabalhadores.
Como se vê, as duas disposições, apesar de definirem critérios objetivos distintos – sendo no projeto da Reforma da Lei de Arbitragem a posição hierárquica e no caso do projeto da Reforma da Lei Trabalhista a remuneração – o perfil de empregado que ambos projetos buscaram alcançar é o mesmo. Afinal, elevada remuneração, por regra, é paga a empregados com grau de escolaridade avançado e pleno discernimento de suas atividades, com condições de negociar termos contratuais com as empresas a fim de definir as cláusulas finais do documento, diretamente ou mediante a contratação de assessoria jurídica. Tal fato afasta a categoria de empregados abrangidos pelo artigo 507-A do PL dos princípios protetivo e da irrenunciabilidade de direitos que norteiam o direito do trabalho, pois ausente a figura do hipossuficiente ao qual seria necessário proteger.
Importante destacar, ainda, que na situação em tela, a opção pela solução de eventuais litígios por meio da arbitragem não constitui renúncia a qualquer dos direitos materiais advindos da relação de trabalho – todos podem ser apreciados pelo tribunal arbitral caso as partes a este outorguem jurisdição –, mas tão somente renúncia à jurisdição estatal a benefício da jurisdição arbitral. Aliás, um dos pilares fundamentais da arbitragem é a manifestação de vontade expressa e escrita das partes de submeterem eventual litígio a um tribunal arbitral. Verificado que ambas as partes têm plenas condições de expressar a sua vontade, bem como que vício de consentimento não é presumível, fundamentalmente com empregados em cargos de alta remuneração, não há óbice para conceder a elas o direito de escolher a forma pela qual seus litígios serão solucionados.
Contudo, diante da determinação prevista no artigo 1º da Lei de Arbitragem, segundo a qual são arbitráveis apenas direitos patrimoniais e disponíveis, e considerando as divergências existentes quanto à disponibilidade dos direitos trabalhistas, importante tecer algumas considerações sobre a arbitrabilidade objetiva de demandas que envolvam contratos individuais de trabalho.
Isso porque, na prática, é pacífico que mesmo os direitos sociais são renunciáveis, haja vista que diariamente na Justiça do Trabalho são homologados acordos judiciais em que o empregado dá quitação ampla e irrestrita do contrato de trabalho, mesmo que na reclamatória estejam sendo discutidos diversos direitos ausentes no acordo. Ou seja, a justiça do trabalho não considera irrenunciável nenhum direito, apenas exige que passe pelo seu crivo, o que, convenhamos, pode perfeitamente ser substituído pelo crivo arbitral. Outro exemplo é a previsão contida também no Projeto de Lei acerca da possibilidade da celebração de acordos extrajudiciais, igualmente quitando integralmente a relação. Não há, pois, qualquer óbice no que tange à arbitrabilidade objetiva desses litígios.
Pode-se suscitar, ainda, que o custo do procedimento arbitral – significativamente mais alto do que o custo do litígio judicial, principalmente ao se considerar que o empregado, em regra, é considerado isento do pagamento de custas – constituiria um obstáculo à viabilidade de submeter questões trabalhistas à arbitragem. Todavia, é importante ressaltar que, apesar de as custas iniciais serem altas em comparação com as custas do judiciário, ao final do processo, se levarmos em consideração custas, gastos com advogados, peritos e com diligências incorridas durante todo o processo, fundamentalmente pelas empresas, a arbitragem tende a sair mais em conta. Assim, considerando que a regra no processo do trabalho é a gratuidade aos trabalhadores, uma alternativa para tornar o procedimento financeiramente mais atrativo é a estipulação, na própria cláusula compromissória, de que as despesas, custas administrativas da câmara arbitral e honorários dos árbitros ficarão a cargo do empregador.
Os atrativos do procedimento arbitral são muitos, como a celeridade (um procedimento arbitral costuma durar entre 12 e 18 meses), enquanto que as disputas judiciais, como é de conhecimento notório, costumam se arrastar durante vários anos.
A confiança das partes é o elemento crucial na escolha do árbitro (artigo 13 da Lei de Arbitragem). Num cenário em que o julgador é profissional de confiança das partes e por estas escolhido, como ocorre na arbitragem, as partes tendem a aceitar e a cumprir voluntariamente a sentença arbitral que vier a ser proferida.
Outra vantagem importante é a confidencialidade dos procedimentos arbitrais. Diferentemente dos processos judiciais, em que a publicidade é a regra, nas arbitragens é possível se convencionar confidencialidade. Sendo assim, desde o início do procedimento todos os atos serão sigilosos e assim se manterão até que as partes manifestem vontade contrária. Apesar da não divulgação de nomes na Justiça do Trabalho, é sabido que sites de consulta e publicação de notas de expediente acabam divulgando os dados do processo, o que torna a consulta pública de fácil acesso. Na arbitragem, caso as partes assim acordem, terceiros não terão acesso a qualquer dado do procedimento e sequer terão ciência sobre a existência dele. Dessa forma, a imagem da empresa e do empregado restam completamente protegidas, bem como todas as informações que venham a ser discutidas durante o procedimento, que, em casos envolvendo remuneração expressiva, costumam envolver diversos documentos e comunicações confidenciais.
Por fim, deve-se destacar que, caso o artigo 557-A da Reforma Trabalhista entre em vigor, o que ainda depende de aprovação no Senado e sanção presidencial, os empregados que se encaixarem nos requisitos assinalados continuarão tendo o poder de reivindicar seus direitos no judiciário. A arbitragem é apenas uma alternativa e advém sempre da vontade expressa de ambas as partes.
Os empregados, como cidadãos, assumem os mais diversos compromissos contratuais, exercendo de sua capacidade civil em todos os atos, não sendo razoável a manutenção do monopólio estatal para resolução de toda e qualquer controvérsia decorrente da relação de trabalho. O modelo atual vem demonstrando ser falho, fundamentalmente na garantia de celeridade, com varas e tribunais do trabalho amarrotados de processos aguardando julgamento ou solução definitiva[7]. O mundo moderno exige soluções simples e eficazes, como o procedimento arbitral, sendo esse o principal objetivo do projeto de lei.
[1] Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
§ 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.
[2] Art. 3º. Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho.
[3]Art. 4º. Caso a negociação visando à participação nos lucros ou resultados da empresa resulte em impasse, as partes poderão utilizar-se dos seguintes mecanismos de solução do litígio:
II – arbitragem de ofertas finais, utilizando-se, no que couber, os termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996.
[4] Art. 37. Deve ser constituída, no âmbito do órgão de gestão de mão de obra, comissão paritária para solucionar litígios decorrentes da aplicação do disposto nos arts. 32, 33 e 35. § 1º Em caso de impasse, as partes devem recorrer à arbitragem de ofertas finais. § 2º Firmado o compromisso arbitral, não será admitida a desistência de qualquer das partes. § 3º Os árbitros devem ser escolhidos de comum acordo entre as partes, e o laudo arbitral proferido para solução da pendência constitui título executivo extrajudicial.
[6] “Desde que o empregado ocupe ou venha a ocupar cargo ou função de administrador ou de diretor estatutário, nos contratos individuais de trabalho poderá ser pactuada cláusula compromissória, que só terá eficácia se o empregado tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou se concordar expressamente com a sua instituição”.
[7] O tempo médio de tramitação de um Recurso de Revista no TST, conforme dados do ano de 2016 (http://www.tst.jus.br/documents/10157/6e05e69e-0822-48aa-964e-1581411e7523), é de 732 dias, que, somados ao tempo de tramitação em primeira e segunda instância, torna normal um processo trabalhista ter duração superior a 3 anos.
Por Caroline Schaeffer, advogada com atuação em contencioso e arbitragem, integrante do CBAR e da diretoria da Associação Brasileira de Estudantes de Arbitragem (ABEArb). E João Antônio Marimon, advogado trabalhista, integrante de Souto, Correa Advogados em São Paulo.
Fonte: Jota – 28 de Abril de 2017 – 17h35
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