A Lei 14.181/2021 atualiza o Código de Defesa do Consumidor, incluindo dois novos capítulos, um com parâmetros para um crédito responsável, com mais informação para os consumidores, com avaliação do crédito e com menos assédio de consumo no mercado brasileiro (intitulado “Da prevenção e do tratamento do superendividamento”) e um sobre a conciliação em bloco do consumidor de boa-fé com todos os seus credores, para elaboração de um plano de pagamento das dívidas e retirada do nome do consumidor dos bancos de dados negativos, incentivando o pagamento das dívidas e superando a cultura da exclusão social de mais de 30 milhões de consumidores do mercado (intitulado “Da Conciliação no superendividamento”).
A lei foi gestada na Comissão de Juristas do Senado, presidida pelo ministro Antônio Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça, absorvendo ideias, pesquisas empíricas e design de solução de controvérsias desenvolvidas no PPGD/UFRGS, no Observatório do Crédito e Superendividamento da UFRGS e pelas magistradas do TJ-RS, Clarissa Costa de Lima e Karen Bertoncello.
Trata-se de grande vitória do movimento consumerista, encabeçado pelo Brasilcon e Idec, do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, coordenado pela Senacon-MJ e Comissão Nacional da CFOAB, e apesar dos vetos pontuais há muitos motivos para comemorar, em especial destaco cinco deles. A lei do superendividamento muda o CDC para:
1) Prevenir o superendividamento dos consumidores através de práticas de crédito responsável, através de novas regras sobre: “a garantia de práticas de crédito responsávela (artigo 4°X, 6°, XI e 54-D do CDC), com informações obrigatórias prévias e manutenção da oferta por 48 horas (artigo 54-B), com controle da publicidade “para não ocultar os ônus e riscos da contratação de crédito e venda a crédito” e combate ao assédio de consumo no crédito, em especial ao “consumidor idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada ou se a contratação envolver prêmio” (artigo 54-C) e sanção para o descumprimento deste novo paradigma de crédito responsável, recomendado pela OECD (artigo 54-D e seu parágrafo único).
2) Melhorar a lealdade e boa-fé na concessão e cobrança de dívidas, através de regras que impõe: práticas de boa-fé dos fornecedores e intermediários do crédito durante a contratação e na cobrança de dívidas, por exemplo, na entrega voluntária da cópia do contrato para o consumidor e fiador, de facilitar o bloqueio e realizar a correção em caso de caso de utilização fraudulenta dos cartões de crédito (artigo 54-G). E a conexão entre o contrato principal de consumo e acessório de crédito (artigo 54-F), inclusive reforçando o direito de arrependimento de crédito à distância forte no artigo 49 do CDC e no novo artigo 54-F,§1°.
3) Assegurar a preservação do mínimo existencial tanto na repactuação de dívidas, como na concessão de crédito (artigo 6, XIII) para a pessoa natural ou física (artigo 5,VI). Apesar do veto presidencial a um limite do crédito ao crédito consignado a uma porcentagem do salário (vetado artigo 54-E), resta o direito ao mínimo existencial em todos os créditos, que será determinado por regulamentação. A própria definição de superendividamento frisa como elemento principal e não a insolvência, mas sim o comprometimento ao mínimo existencial, noção constitucional sobre um mínimo de sobrevivência e dignidade do consumidor pessoa natural, que aqui se incorpora ao CDC: “Art. 54-A § 1º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação”.
4) Assegurar um novo direito do consumidor de boa-fé ao tratamento do superendividamento através da revisão e da repactuação da dívida na forma de uma conciliação em bloco e um plano de pagamento, sem perdão de dívidas. Trata-se da chamada “exceção da ruína”, que é baseada no dever anexo de boa-fé de cooperar com o devedor de boa-fé em caso de ruína pessoal (Art. 6, XI e XII, 104-A), valorizando os Procons e os demais órgãos públicos do SNDC, que poderão fazer tais conciliações em bloco ou convênios com as academias (artigo 104-C).
5) Instituir mecanismos de tratamento judicial do superendividamento (artigo 5, VI) e a criação de núcleos de conciliação e mediação de conflitos oriundos de superendividamento (artigo 5, VII), em especial de um juiz do superendividamento para impor um plano compulsório (artigo 104-B). Assim, se não houver conciliação voluntária, há recurso ao juiz em “processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes” através de um plano de pagamento judicial compulsório, com o cuidado que se pague o principal, mas somente após o plano conciliatório.
Concluindo, apesar dos vetos às regras sobre crédito consignado, que esperamos sejam revertidas pela sabedoria do Parlamento, as mudanças aprovadas após 10 anos de estudos e lutas atualizam o Código de Defesa do Consumidor de acordo com a vitória na ADI 1591, conhecida como Adin dos Bancos, e segundo as melhores práticas mundiais (Banco Mundial e OECD). Saudando-se a sanção da Lei 14.181,2021 e o apoio recebido para esta aprovação, frise-se que ela evolui o mercado de crédito, bancário e financeiro para o paradigma do crédito responsável e reforçam a boa-fé que deve guiar as relações de consumo, valorizando o microssistema do CDC e a retomada da economia brasileira com mais dignidade do consumidor!
Por Claudia Lima Marques, professora e diretora da Faculdade de Direito da UFRGS, doutora pela Universidade de Heidelberg, mestre em Direito pela Universidade de Tübingen (Alemanha), advogada, relatora-geral da comissão de juristas e ex-presidente do Brasilcon.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 3 de julho de 2021, 13h23
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