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Por Guilherme Vaz Leal da Costa
?A arbitragem é um instituto que se desenvolveu sobremaneira no Brasil nos últimos anos, e, atualmente, figura como uma forma bastante eficaz de resolução de litígios.
A partir da vigência da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96), que atribuiu mais força às cláusulas compromissórias — que passaram a ter a cogência necessária para afastar a jurisdição Estatal na resolução de determinados litígios — a via arbitral passou a ser utilizada com mais frequência[1]; sobretudo em transações internacionais, em que partes estrangeiras não desejam se sujeitar às cortes brasileiras. Esse movimento foi impulsionado pela formalização da adesão — tardia, diga-se de passagem — do Brasil à Convenção de Nova York para Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, ocorrida em 2002[2].
Como aponta John J. Barceló III[3], a arbitragem possui diversas vantagens sobre a resolução judicial de conflitos, como, por exemplo: possibilidade de julgamento mais especializado; maior maleabilidade do procedimento, e possibilidade de adequá-lo às necessidades do caso concreto; e o sigilo que, para ser decretado, basta que as partes assim o desejem.
Todavia, em que pese as inquestionáveis vantagens da arbitragem sobre o processo judicial, existe um fator crucial que, por vezes, figura como um óbice à escolha da via arbitral para a resolução de alguns litígios: os custos.
Os custos relativos à arbitragem geralmente são mais altos do que os despendidos com o processo judicial. Há quem argumente que essa assertiva nem sempre é verdadeira, pois o processo judicial, em regra, demora mais tempo do que a arbitragem para ser concluído, de modo que alguns custos indiretos, como exposição de imagem, deveriam ser levados em consideração.
Contudo, os gastos envolvidos na arbitragem são bastante relevantes. As partes, por exemplo, têm que arcar com honorários dos árbitros, honorários de advogados (que, por serem especializados, geralmente cobram valores mais altos do que os causídicos que atuam em processos judiciais), honorários de perito (que, igualmente, são em regra mais altos do que os pagos a peritos judiciais), custas devidas às câmaras arbitrais, custeio de hospedagem e deslocamento de testemunhas e árbitros etc.
A alocação dos custos, então, torna-se, por vezes, um elemento relevante na arbitragem. Ela pode ser o ponto decisivo entre o início (ou continuação) de um procedimento e a composição amigável. À luz dessa constatação, é importante se analisar a aplicação princípio da causalidade na alocação desses custos entre as partes na arbitragem.
Nesse passo, indaga-se: será que a única forma de se decidir pela alocação de custos entre as partes é aquela consagrada pela jurisprudência nacional, com base na aplicação pragmática do artigo 20, do Código de Processo Civil, que dita que “a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios(…)”? Quem, afinal, é ganhador e quem é o perdedor?
O princípio da causalidade, aplicado à determinação da sucumbência — e, portanto, à alocação dos custos —, de acordo com o Superior Tribunal de Justiça, consiste na atribuição do ônus de pagar os honorários advocatícios do advogado da parte contrária, bem como reembolsar as despesas por ela incorridas, à parte que deu causa ao ajuizamento da ação[4].
Vê-se, então, que o princípio da causalidade, longe de ser pragmático, permite a realização de uma reflexão profunda a respeito de quem, realmente, deu causa ao litígio e deve arcar com os custos a ele inerentes; no caso em análise, quem deu causa à instauração da arbitragem.
É neste contexto que se passa a discorrer sobre a Calderbank Letter, ou Sealed Offer: oferta de acordo, enviada pelo demandado ao demandante, com cópia lacrada ao órgão julgador (somente podendo ser aberta após julgado o mérito do pedido) com ressalva de que tal ato não constitui reconhecimento jurídico do pedido. Caso eventual condenação do demandado-ofertante seja inferior à oferta realizada, todos os custos incorridos após expirado o prazo para sua aceitação serão suportados pelo demandante-ofertado. Trata-se, pois, de justa aplicação do princípio da causalidade, porém não do modo usualmente feito no Brasil.
O instituto da Calderbank Letter tem origem no direito inglês, a partir de um caso envolvendo Direito de Família, travado entre Jacqueline Anne Calderbank e John Thomas Calderbank[5]. Basicamente, trata-se de ação de divórcio, em que, em sede de partilha, John Calderbank sustentou que faria jus ao pagamento de certa quantia em dinheiro.
Não obstante a sentença tenha julgado procedente seu pedido, e determinado o pagamento, pela sua ex-mulher, de uma quantia equivalente a dez mil libras, o tribunal entendeu que John Calderbank deu causa à ação e, por isso, deveria arcar com os custos a ela inerentes. Isso porque, Jacqueline Calderbank, no início do processo, fez uma proposta ao seu ex-marido (com ressalva de que tal ato não constituía reconhecimento do pedido), de pagamento amigável de quantia substancialmente maior do que as 10 mil libras que foram concedidas judicialmente.
Com a evolução do instituto, a prática começou a estabelecer que a carta de oferta deveria ser enviada à parte contrária, para aceitação, porém com cópia lacrada ao tribunal, que somente a abriria após decidido o mérito do caso — de modo que a referida oferta não influenciasse o julgador em sua decisão. Por isso, o instituto também passou a ser denominado de “Sealed Offer”.
Posteriormente, a regra do julgamento do caso Calderbank vs. Calderbank foi tipificada pelo Código de Processo Civil Inglês, em sua Parte 36[6], que passou a regular o uso da oferta como parte do processo judicial.
Analisando o nosso ordenamento jurídico, não se verifica qualquer óbice à utilização da Calderbank Letter no Brasil; notadamente por tribunais arbitrais. A Lei de Arbitragem garante às partes liberdade suficiente para estabelecer a utilização do mecanismo. Todavia, talvez o instituto seja inaplicável, a principio, aos processos judiciais em razão de uma questão meramente prática; já que seria necessária a existência de regulamentação quanto ao acautelamento e a abertura da carta, que deverá permanecer lacrada até o momento em que a decisão de mérito do caso for tomada.
Seja como for, além de um mecanismo justo de alocação dos custos de arbitragem, a partir de uma aplicação diferente do princípio da causalidade, a Calderbank Letter consiste em um instrumento eficaz de estímulo à composição amigável entre as partes, evitando aventuras jurídicas. Até mesmo porque, considerando os altos custos envolvidos em arbitragem, pode ocorrer de o demandante sagrar-se vencedor de parte da demanda, mas ser condenado a pagar quantias sucumbenciais maiores do que os valores relativos à condenação a que faria jus.
Portanto, vê-se que a Calderbank Letter é um mecanismo interessante, que merece uma atenção maior da comunidade jurídica brasileira; sobretudo dos operadores do Direito que lidam cotidianamente com arbitragem e que podem lançar mão do referido instituto como parte de estratégia de defesa de seus clientes.
[1] Sobre o aumento expressivo do número de arbitragens no Brasil, confira-se o artigo “Números mostram maior aceitação da arbitragem no Brasil”, prof. Selma Lemes, disponível em https://www.conjur.com.br/2014-abr-10/selma-lemes-numeros-mostram-maior-aceitacao-arbitragem-brasil, acessado em 28/8/2014.
[2] O Decreto Legislativo n. 4.311, publicado no Diário Oficial da União – D.O.U. em 24 de julho de 2002, regulamentou a adesão do país à Convenção de Nova Iorque.
[3] Barceló III, John J., International Commercial Arbitration – A Transnational Perspective, 4ª edição, St. Paul, 2011, p. 23.
[4] “(…) 4. No processo civil, para se aferir qual das partes litigantes arcará com o pagamento dos honorários advocatícios e das custas processuais, deve-se atentar não somente à sucumbência, mas também ao princípio da causalidade, segundo o qual a parte que deu causa à instauração do processo deve suportar as despesas dele decorrentes. (…)”(REsp 1160483/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, 4a Turma, julgado em 10/06/2014, DJe 01/08/2014)
Guilherme Vaz Leal da Costa é advogado, especialista em Direito Processual Civil e Arbitragem pela PUC-Rio e por curso oferecido pela Universidade de Sorbonne em conjunto com a Cornell University, em Paris, França.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 4 de setembro de 2014, 07:27
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