O Brasil vem buscando incentivar as formas extrajudiciais de solucionar conflitos. A arbitragem, por exemplo, é uma forma informal, que tem o mesmo peso jurídico e vem merecendo atenção das autoridades
Gilvânia Banker
Nascida e criada em ambiente empresarial e comercial, a arbitragem está presente no Brasil desde 1824, mas só ganhou notoriedade oficial no século seguinte, em 1996, com a promulgação da Lei 9.307, a Lei da Arbitragem, que está prestes a receber modificações. A ferramenta está sendo analisada por uma comissão de juristas, presidida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Luis Felipe Salomão, para garantir que a administração pública também tenha a possibilidade de resolver conflitos por meio da arbitragem. A mudança é considerada positiva por especialistas. Para o presidente do Centro de Arbitragem e Mediação Brasil-Canadá – Cam-CCBC, Frederico Straube, esse é um passo importante. “Já existem hoje condições integrais para que a administração pública possa solucionar as questões via fonte extrajudicial.”
Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou uma emenda à Resolução 125 que determina aos tribunais que criem métodos de resolver conflitos através da mediação. O esforço de fazer prevalecerem as formas mais ágeis de negociação se deve ao excesso de processos judiciais que se avolumam nos tribunais do País.
Desde que a Lei 9.307/1996 foi criada, as Câmaras de Mediação, Conciliação e Arbitragem e os tribunais buscam fazer prevalecer o diálogo em detrimento do litígio. E esse esforço vem sendo notado. No Brasil, a arbitragem vem ganhando espaço, especialmente pela sua velocidade de resolução em comparação com o Judiciário. Mesmo sem estatísticas oficiais sobre a arbitragem, o uso desse instrumento jurídico cresce ano após ano. De acordo com o presidente da Cam-CCBC, de 2005 a 2011 o valor global das causas submetidas às principais câmaras arbitrais do País saltou de R$ 247 milhões para R$ 3 bilhões. Os dados, explica, fazem parte do levantamento realizado pela professora Selma Ferreria Lemes, da Fundação Getulio Vargas e representante brasileira na Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (ICC). De acordo com Straube, de 2005 a 2012, no comparativo com essas cinco maiores câmaras no Brasil, houve um crescimento de 1.000% nos casos.
Em 2005, por exemplo, de acordo com o estudo, havia 21 procedimentos e, em 2011, esse número passou para 122. Desse total, 63% eram representados pela Cam-CCBC, com 34 anos de atividade no País e que conta com 70 árbitros em atividade. Nas estatísticas da Corte Internacional de Arbitragem, o Brasil é o líder na América Latina em número de arbitragens e está três vezes à frente do segundo colocado, o México. Em números de resolução de casos nessa modalidade, as três câmaras de São Paulo representam 82% dos processos nacionais. Mas nem todo conflito pode ser resolvido por esse meio, as situações que envolvem a área de família, criança e adolescente, meio ambiente ou criminal só podem ingressar no Judiciário.
Em contrapartida, a quantidade de novos processos recebidos pelos tribunais, em 2012, superou os que foram julgados na maioria dos órgãos do Poder Judiciário. Apenas 27% dos tribunais julgaram mais procedimentos do que receberam e cumpriram meta estabelecida em conjunto com o CNJ. Os casos em tramitação superam os 60 milhões, segundo o CNJ. De acordo com o órgão, os tribunais receberam, em 2012, 20,5 milhões de processos novos (2,9 milhões deles na área criminal) e julgaram 18,5 milhões (2,4 milhões de criminais). Com isso, houve um acréscimo de 2 milhões no estoque em andamento. No ano passado, entraram 11% mais processos novos do que em 2011. Já a quantidade dos julgados cresceu 8,69%.
Rio Grande do Sul é o segundo estado em volume de processos judiciais
Culturalmente, os gaúchos estão acostumados a uma boa “peleia”. De acordo com estudo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Rio Grande do Sul é o segundo estado que apresenta maior número de letígios, perdendo apenas para São Paulo. “Temos duas análises: ou confiamos muito na Justiça, ou priorizamos o litígio em vez do diálogo”, conclui a desembargadora e coordenadora do Núcleo de Conciliação e Mediação do segundo grau, Vanderlei Teresinha Tremea Kubiak. Em 2012, de acordo com o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) o Judiciário gaúcho recebeu 3,9 milhões de novos processos. O órgão vem investindo na mediação.
O TJ-RS, de acordo com a desembargadora, oferece ao cidadão, desde 2011, em várias comarcas do Interior e da Capital, inclusive no próprio TJ, o serviço de mediação, que é quando um terceiro atua como um facilitador para se chegar a uma solução. “Estamos implantando gradativamente em todo o Estado. Para atender não só àqueles processos em tramitação, mas também para que os interessados não precisem ingressar com novos”, comenta. O tribunal está formatando uma parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a fim de promover, em esforço conjunto, a promoção desse formato jurídico de resolver problemas para que ela seja oferecida como alternativa pelos advogados aos seus clientes.
Entre as vantagens da mediação, ela cita o tempo de resolução. Um processo na Justiça, seja ele simples ou complexo, não é resolvido em menos de cinco anos, considerando o número de recursos permitidos. Na mediação, em quatro ou cinco encontros, que podem representar dois ou três meses, os conflitos já podem ser solucionados.
No Tribunal de Mediação e Arbitragem do Estado do Rio Grande do Sul (TMA/RS), presente em 50 municípios, dos 400 mil processos que tramitaram nas seccionais, desde o ano 2000, ano da fundação da instituição, 95% dos casos obtiveram acordos nas audiências. O presidente da TMA/RS, Roque Bakof, diz que houve um crescimento nos últimos anos na busca desta via de solução. E o adendo na lei, em discussão no Supremo Tribunal de Justiça, que prevê a sua utilização pela administração pública, pode aumentar mais ainda a divulgação dessa modalidade jurídica. “Esse ajuste vem para fortalecer ainda mais esse instituto. Era um anseio da sociedade ter uma via com características não só agilizadoras, mas também com a capacidade de promover o entendimento”, classifica.
Câmara da Federasul tem dois casos em andamento
Em pouco mais de dois anos, desde a sua fundação, a Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem de Porto Alegre – Cbmae Federasul – está apenas com dois casos em andamento. A expectativa do superintendente André Jobim de Azevedo é de que essa nova modalidade de conflito seja mais bem compreendida pelo povo gaúcho. “Para termos um parâmetro, a Câmara do Comércio Brasil-Canadá, a maior que temos hoje, demorou 10 anos para ter o seu primeiro caso”, conforta-se. “Tínhamos a expectativa de que fosse demorar bastante, mas, para nossa surpresa, 30 dias após o lançamento já estávamos trabalhando no primeiro processo”, comemora. Trata-se de uma disputa comercial no valor de US$ 600 mil, um duelo entre duas empresas, uma nacional e a outra alemã. “Se estivesse no Judiciário, seriam, pelo menos, dez anos de espera”, calcula Azevedo. O segundo envolve uma quantia em torno de US$ 2 milhões.
Para o superintendente, a explicação para o fraco desempenho da arbitragem e dos meios alternativos de resolução de conflitos no Estado se deve à ausência de informação. “Há uma resistência que é fruto do desconhecimento, pela falta de exposição dos aspectos importantes, mas é preciso fazer um convencimento”, acredita. Por isso, explica, a entidade vem realizando palestras, cursos e visitas aos empresários e escritórios advocatícios. “Estamos disseminando pessoalmente essa cultura de negociação”, garante.
Segundo ele, o Rio Grande do Sul está um pouco atrás nesse entendimento em comparação a São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. “Os grandes centros recebem infinitamente mais clientes estrangeiros do que o Sul”, justifica.
Fonte: Jornal do Comércio
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